quarta-feira, 5 de abril de 2017

4223) Falas paraibanas (5.4.2017)




Existe toda uma categoria de expressões populares destinadas a exprimir a idéia de um tempo antigo, de um passado remoto. Fica sempre a questão de saber se algumas delas são somente paraibanas (ou nordestinas) ou se são usadas no Brasil inteiro. Tem muitas coisas que eu às vezes erradamente considero paraibanas apenas porque foi na Paraíba que tomei conhecimento delas.

O teste a que procuro submetê-las é: Eu já ouvi essa expressão sendo usada em outras regiões do Brasil, usadas espontaneamente, como parte da linguagem diária das pessoas? Porque às vezes a pessoa diz algo em Goiás ou em Rondônia mas é algo que lhe chegou via paraibanos, seja na vida real, da música, do cinema. A expressão existe lá longe, mas existe importada. Quem diz muitas vezes percebe isso, diz meio que citando, meio que “arremedando”.

Uma expressão que acho que vale para o Brasil inteiro é “No tempo em que se amarrava cachorro com linguiça”. Ou seja: num tempo em que havia certos usos e costumes que hoje vemos como absurdos.

(A imagem do cachorro e da linguiça reaparece com outra função em outro contexto, para produzir uma idéia semelhante à de “botar a raposa para tomar conta do galinheiro”.)

Uma que acho bem paraibana é: “Isso é do tempo em que Adão era cadete”. Como tantas expressões populares, tem um quê de surrealismo (Adão servindo nas Forças Armadas!) e sua graça repousa em grande parte na música, nessa assonância prazerosa do ‘AD” nas duas palavras.

Outra que é nordestiníssima é “Mil novecentos e cocada”. Também se diz: “Mil novecentos e lá-vai-fumaça”. Gosto de uma expressão equivalente, mas não sei precisar de é da Paraíba ou do Nordeste: Isso é do tempo em que galinha ciscava pra frente.” Outra muito engraçada é: “Isso é do tempo em que cu era quadrado”.

Quem bota essas coisas em circulação é a criatividade popular. São anônimos os inventores das anedotas, das expressõs brincalhonas, das gírias. Claro que quem não é anônimo também pode dar os seus palpites, desde os neologismos de Guimarães Rosa até Fausto Silva, da televisão, que saiu-se com esta: “Este é um programa do tempo em que sexo oral era contar piada de sacanagem”.

Talvez a expressão mais generalizada nesse sentido seja “Isso é do tempo do ronca”. O que é o Ronca? Mistério, embora a explicação cabal deva estar em alguma página de Câmara Cascudo que ainda não me passou sob os dedos. Pode muito bem ter sido algum delegado brabo ou algum ouvidor da Corte, rodeado de puxa-sacos.

Ariano Suassuna tem essa citação saborosa:

O "Badalo" é uma terra que tem, aqui em Taperoá, e que só dá doido!  A velha Maria Galdina é de lá, e vive cantando umas modas-antigas, umas cantigas-velhas, do tempo do ronca e de Dom Pedro Cipó-Pau!
(Ariano Suassuna, Romance da Pedra do Reino, pag. 488)

“Dom Pedro Cipó Pau” eu nunca ouvi na fala corrente das pessoas. É coisa que Ariano talvez tenha escutado na infância, o que já me traz à memória outra expressão que ouvi por aí: “Ah, isso é muito antigo, é do tempo de Mil Novecentos e Vovô Menino”.  Essa não me vem à memória como coisa nordestina, tenho quase certeza que ouvi no Rio de Janeiro.