sexta-feira, 1 de abril de 2016

4091) O comissário Montalbano (2.4.2016)



Meu romance policial predileto é o romance detetivesco clássico, de mistérios intrincadíssimos e barrocos, à maneira de Ellery Queen, John Dickson Carr ou S. S. Van Dine. Nem por isso deixo de gostar do romance policial realista, centrado em ações e emoções humanas verossímeis. Comecei agora a ler as aventuras do Comissário Montalbano, escritas pelo italiano Andrea Camilleri ( A Forma de Água, 1994; A Paciência da Aranha, 2004), e ambientadas em Vigata, uma cidade imaginária da Sicília.

Montalbano não vive trocando socos como Philip Marlowe e outros. Nos dois romances que li ele não dispara um tiro, e acho que não briga uma vez sequer. Tem uma namorada que mora em outra cidade e o visita às vezes; vão para a cama, cozinham, bebem, brigam, fazem as pazes, como qualquer casal. Como Marlowe, ele é capaz de encontrar em sua cama uma mulher linda, nua, e mandar que ela se vista. Mora sozinho, tem uma criada que vai lá e dá uma geral de vez em quando. Gosta de cozinhar para si mesmo. Seu temperamento é brusco, emotivo mas contido, impaciente com a burrice ou a canalhice alheia. Trabalha bem em equipe com os outros policiais, mas tem um certo desdém pelos superiores.

Detetivescamente, Montalbano é observador, metódico, gosta de pegar o carro e sair checando pessoalmente cada detalhe dos casos que investiga. Um dado curioso é seu envolvimento emocional com o processo dedutivo. Faz muitas de suas descobertas analisando sua própria reação emocional ao se defrontar com as pistas ou interrogar os suspeitos. Certas coisas o inquietam sem que ele saiba por que; ficam remoendo em sua cabeça, até que por uma associação de idéias ou um fato fortuito tudo se encaixa e a explicação aparece. Seu método é o de checar pistas, conversar com todo mundo (ele tem uma percepção afiada da natureza humana e da mentalidade dos seus conterrâneos).

Camilleri escreve com agilidade, rapidez, ótimos diálogos. Pertence à escola não-rebuscada do romance policial. Os enredos são complexos mas verossímeis, e tanto a realização dos crimes quanto a investigação estão próximos do realismo cotidiano de Simenon. A narrativa é toda numa terceira pessoa limitada: temos acesso à maioria das reflexões do detetive, mas não a tudo. Camilleri usa o direito de omitir diálogos cruciais para não antecipar a solução. Seus romances são daqueles onde o mistério policial empurra a narrativa, mas o prazer vem das reflexões do protagonista a respeito do que vê e ouve; dos tipos humanos surpreendentes e verazes; e da descrição, cheia de humor, dos pequenos quiproquós cotidianos que nem um detetive está livre de encarar.