quinta-feira, 24 de março de 2016

4084) Dona Fiorina (25.3.2016)



Posso explicar como fiquei amigo de Dona Fiorina, logo eu. Eu morava num prédio do Catete e mudei para Laranjeiras. Registrei a mudança no correio do Largo do Machado, mas, macaco velho, mandei também uma cartinha muito gentil aos próximos inquilinos do meu cafofo, pedindo que se chegasse correspondência em meu nome me ligassem no fone tal e tal. De vez em quando ela ligava avisando que chegara alguma coisa. Eu passava lá num horário combinado, tomava um cafezinho e pegava o que havia.

Dona Fiorina brilhava numa raia distante do espectro político, mas era ex-professora, culta, adorava cinema de arte. Aprendi, nesses cafés que às vezes se prolongavam à custa de biscoitos e croissants, que nosso objetivo final era o mesmo. Um Brasil justo, democrático, cheio de liberdades, de abundância... Ela erguia o dedo no ar: “Uma TV na sala, e uma no quarto de cada filho! Somos ou não somos um país democrático?!”  E olha que naquela época a gente já questionava os limites da Internet discada e a existência-ou-não da mítica Deep Web.

Dona Fiorina era uma democrata radical, em termos de liberdade de expressão. Todo brasileiro (“até os índios,” dizia ela, “porque eles não têm culpa de estarem aqui quando nós chegamos”) tinha direito de assistir o Jornal Nacional – e o Jornal do SBT. “É preciso ouvir os dois lados de cada questão,” sentenciava ela, alisando a manta sobre os joelhos. Eu perguntava pela Band, pela TV-Rio, pela TV Manchete e outros dinossauros daquela época., Ela abanava a cabeça, incrédula: “Só existem dois lados do muro. Ou a pessoa está conosco, ou está com Eles.”  E ficava coquete e irresistível, em seus 80-e-bote-força, quando piscava o olho para mim, sorrindo: “Não me pergunte de que lado do muro eu estou. Eu estou do lado da vida!!”

Vou polemizar com Dona Fiorina? Nem doido. Se brincar era mais cinéfila do que eu. Quando falávamos do futuro do Brasil ela dizia: “Eu quero um Brasil grande, um Brasil resolvido, onde todo mundo tenha o que fazer, onde o governo fique ali, servindo, contribuindo, ajudando, mas como os escravos faziam, discretos, sem se intrometer, sem atrapalhar a vida das pessoas! Um Brasil onde em toda casa exista um DVD bem moderno, como este meu, olhe mesmo, e onde todo mundo possa ver os filmes de Marcel Carné, de Jean Vigo! O senhor já pensou, “seu” Braulio, cada barraco de operário ou de favelado passando um filme de Marcel L’Herbier ou de René Clair, o bem que isto ia fazer à nossa cultura?! O quanto ia iluminar a mente dos nossos pobres favelados, dos pobres paraibanos como o senhor, que vêm tentar a vida aqui, que vêm descobrir o Mundo?!”




4083) A gíria inglesa (24.3.2016)



A gíria é uma forma de literatura. Literatura oral, claro. Palavras e expressões inventadas em voz alta no calor do momento, com empatia imediata, rápida propagação (“viralização”, diríamos hoje) e, algumas décadas depois, a consagração nos compêndios. Muitas gírias são intraduzíveis, por serem invenções sonoras, onomatopéias, neologismos absurdistas. Outras, porém, produzem imagens visuais ou descrições vívidas, incríveis. 

O saite The Art of Manliness transcreve um pequeno glossário de gírias masculinas da Inglaterra do século 19, e muitas são pequenos achados de criação verbal.

“Blind Monkeys” (macacos cegos). Expressão usada para sublinhar a incompetência de alguém, supondo a existência, num zoológico, de uma jaula de macacos cegos. “Fulano só serve mesmo pra levar os macacos cegos pra fazer cocô”. 

“Month of Sundays” (um mês de domingos). Um longo espaço de tempo, equivalente a trinta domingos. “Acho que faz um mês de domingos que eu não vou ao bar”. Em português, temos uma expressão equivalente no futebol: “Esse jogador é muito velho, só de minuto de silêncio ele já deve ter uns dez anos”.

“Perpendicular” (idem). Refeição feita em pé num restaurante popular. 

“Half Mourning” (meio luto). Um olho roxo em consequência de uma briga. Quando são os dois olhos dizia-se “whole mourning”, luto completo. 

“Earth Bath” (banho de terra). Uma sepultura. 

“Firing a gun” (atirando de pistola). Uma técnica freqüente de forçar a barra ao contar uma história, num grupo. O sujeito diz: “Escuta! Isso foi um tiro?! (silêncio atento) Bem... Por falar em tiro...”

“Smeller” (cheirante). O nariz. Muito usado no mundo do boxe: “Ele levou dois socos seguidos no cheirante.” 

“Honor bright! (honra brilhante). Expressão semelhante a “juro por Deus!”, contração de “I swear by my honor, which is bright and unsullied!”, “juro pela minha honra, que é brilhante e imaculada”. 

“Shake the elbow” (balançar o cotovelo). Jogar dados. 

“Fart catcher” (apanhador de peidos). Um criado ou criada que caminha atrás do patrão ou patroa.

“Hole in a ladder” (buraco numa escada). Diz-se, de um sujeito muito bêbado, que ele não consegue enxergar um buraco numa escada (escada de mão, da que se encosta num muro, creio eu). 

“Lay down the knife and fork” (largar o garfo e a faca). Morrer. 

“Rib” (costela). Esposa. “Tenho que ir agora, a costela está esperando.” 

“Pot Hunter” (caçador de canecos). Esportista que entra em disputas desiguais, onde todos os adversários são mais fracos e ele tem a vitória como certa, apenas para colecionar troféus. 

“Scandal water” (água de escândalo). Chá; a bebida das senhoras de idade enquanto fofocam sobre os escândalos locais.