sexta-feira, 11 de março de 2016

4073) Andrei e Kalina (12.3.2016)



(ilustração: Marc Chagall)

Os dois dizem ser russos de nascimento (Ele: “Minha infância foi em preto e branco. Descobri a cor quando vi o mar, com quatro anos.”), emigrados na infância (Ela: “Eu não lembro de nada, amorrr, me trouxeram vendidona, passiva, quando eu soube que existia já era brasileira”). Só vieram a se conhecer no Brasil, já brasileiros e cariocas ambos, numa festa da faculdade, onde se esbarraram (Ele: “Alguém esbarrou em mim e minha bebida derramou na roupa dela, e quando percebi estava tirando a roupa dela para que ela não pegasse um resfriado”), se apresentaram, se maravilharam um com o outro, se envolveram e não se largaram mais. (Ela: “O segredo de segurar um marido, amorrr, é um só em qualquer idioma.”) 

O pai de Andrei era engenheiro aéreo e ganhava um belo salário, além de uma nota preta com umas geringonças que ele e uns colegas inventaram. (Ele: “BT, grava o que eu tou te falando: Enquanto eu estiver no trono, o reino é de vocês. Não esqueça isso, e me cobre.”) A família de Kalina se estabeleceu no Nordeste, somente os pais dela que preferiram o Rio. (Ela: “Eles gostaram dessa sacanagem daqui, meu amorrr, eles gostaram de viver num lugar onde não se batalhava meses para chegar aos finalmentes, cê entende?”). Andrei era um cara enorme, terno, emotivo, mas podia ficar violento de um segundo para outro. (Ele: “O cara da mesa ao lado foi grosso com o garçom. Eu não pretendia dar aquele prejuízo ao dono do restaurante”). Os dois eram meio infiéis um ao outro, discutiam em altas vozes e meia hora depois estavam aos beijos (Ela: “A mulher tem que ter pose de rainha, inclusive quando está amassando os culhões de um sujeitinho que não presta, como esse meu, que nunca vai prestar, só se salva porque eu o amo.”).

Julian Jaynes, neurologista famoso, afirmava que os dois povos com maior tendência paranormal no mundo são os russos e os brasileiros, por motivos que ninguém sabe explicar (Ele: “Quando eu era menino era capaz de descrever um lugar apenas tocando com a ponta do dedo no nome dele num mapa”). Talvez isso tenha influído no encontro e no casamento deles dois. (Ela: “Encontro não, amorr, eu e ele estamos nos reencontrando depois de mil anos, porisso esse frisson, essa loucura”) Talvez todo caso de amor bem sucedido (são mais do que se imagina, e menos do que seria justo) possua (além dos elementos habituais de sexo, carinho, simpatia, gostos em comum) um pouco de paranormalidade, de metempsicose e vidas passadas, de telepatia, de clarividência, alguma Faculdade X que dormita em nossa mente e que é ativada pela presença daquela pessoa tão mais improvável entre todas, ou tão gritantemente inevitável e única.