quinta-feira, 26 de novembro de 2015

3982) "Outro" de Augusto de Campos (27.11.2015)



Outro (Ed. Perspectiva, 2015), o novo livro de poemas de Augusto de Campos, é um dos mais visuais do autor, trazendo em cada folha dupla uma experiência de dissolução e recombinação do texto em efeitos de cores, formas, estruturas, desmontagens, paralelismos, alternâncias de imagem e função. Augusto foi um dos primeiros poetas que vi usar a antiga letra-set para compor cada poema numa fonte gráfica com letras diferentes. Agora, são efeitos visuais mais sofisticados, de textos que se entrelaçam, que giram em espiral. Tem muita gente que não gosta, mas eu acho bonita essa concretude que se dá à palavra, à letra, cravando-a com peso em cima da página. Como Paulo Leminski, que fazia fotografar e ampliar letras datilografadas até ficarem com 2 ou 3 cm de altura na página. Às vezes a fonte é tão rebuscada que ler as palavras vira uma decifração vagarosa e (im)paciente.

Muita gente aproveitou alguns efeitos do concretismo para fazer suas próprias experiências de desmontar e remontar os Legos das palavras, discípulos formais ou informais de Augusto, como Glauco Mattoso, André Vallias, Paulo de Toledo, Arnaldo Antunes, Tom Zé etc. Eu faço uma poesia completamente diferente da de Augusto de Campos mas ainda bem que isso não me impede de ver nessa poesia um caminho possível, entre tantos outros. Um dia podemos vir a ter uma prosa concretista no dia-a-dia, projetada em 3D à nossa volta, com blocos de textos surgindo soltos no ar como hologramas de lojas.

Há uma subdivisão do livro apenas com efeitos de imagens, trocadilhos ou rimas visuais comentadas. Um muito simples, mas eloquente, foi o que mostra andando lado a lado na rua dois homens de terno preto, em duas fotos muito conhecidas dos leitores de cada um. As fotos são emolduradas acima e abaixo pelas palavras: “passos em lisboa / anjos em pessoa”. Isso é um poema? Tanto faz se é poema ou não, para mim é um fragmento literário de impacto tão simpático quanto o de um cartum ou de uma foto artística ou qualquer outra forma pseudo-instantânea de arte.

A poesia de Augusto e dos seus colegas concretistas é um cabo-de-guerra permanente entre fragmentação e discursividade. Comparado ao seu irmão Haroldo, já falecido, Augusto é de um laconismo extraordinário. As Galáxias de Haroldo têm os mesmos jogos de sonoridade do Concretismo, só que diluídos numa prosa caudalosa e aliterada, de onde Caetano Veloso tirou a letra de “Circuladô de Fulô”.  Augusto só é loquaz quando senta-se à mesa de tradutor, de investigador cheio de teorias, de defensor ardoroso do talento alheio. O tradutor seria capaz de recriar um livro inteiro da Bíblia, mas o poeta escreve um hexagrama e pronto.