segunda-feira, 23 de novembro de 2015

3979) Eu me lembro 7 - BH (24.11.2015)



(Edf. Niemeyer, Belo Horizonte)

Eu me lembro dos doces de leite cortados em forma de losango que a gente comprava no balcão dos botequins. Eu me lembro de quando tiraram as cabeças dos políticos que ornavam a Praça Sete e as colocaram no Parque, junto a uma quadra, onde o pessoal chutava e a bola rebatia nas cabeças das estátuas. Eu me lembro que numa sala da Escola de Cinema havia rolos e mais rolos do copião de “Terra em Transe”, de onde cansei de cortar fotogramas, e vinte anos depois a imprensa do Rio ficou sabendo desse material e celebrou a descoberta.

Eu me lembro que havia um consenso entre os estudantes da Católica que o melhor bandejão era o da escola de Arquitetura da Federal, que ficava numa esquina da rua Paraíba. Eu me lembro dos militantes da TFP andando pela cidade, erguendo seus estandartes vermelhos com leões dourados e bradando nos megafones. Eu me lembro da placa onde está escrito: “Da vida social / na porfiada liça / ao lado do dever / e ao lado da justiça.”

Eu me lembro do dia em que Chacrinha foi fazer uma palestra no diretório dos estudantes e disse que as chacretes eram “escolhidas a dedo”. Eu me lembro da sala de projeção da Escola de Cinema, que ficava no subsolo do edifício e era chamada A Cinematoca. Eu me lembro do meu desnorteamento inicial quando eu pensava que as ruas do centro eram paralelas, e às vezes as ruas iam se distanciando à medida que a gente avançava numa delas.

Eu me lembro das estátuas na prefeitura, na Av. Afonso Pena, dos três homens suportando colunas sobre os ombros, às quais dediquei um poema (ainda estão lá). Eu me lembro que o primeiro filme que vi na cidade foi “Romeu e Julieta” de Zeffirelli, no Cine Acaiaca. Eu me lembro que antes de ir morar em BH eu vi na Enciclopédia Barsa uma foto do Edifício Niemeyer, e ao chegar lá descobri que a Escola de Cinema ficava bem em frente dele. Eu me lembro da minha confusão ao descobrir que os mineiros chamam mungunzá de canjica.

Eu me lembro das linhas de ônibus Circular 1 e Circular 2, que faziam percursos inversos, e quebravam o maior galho. Eu me lembro de quando comi a primeira feijoada no Maletta e achei estranhíssimo colocarem laranja dentro do feijão. Eu me lembro da Rádio Cultura, cuja vinheta (“Cul-tura!”) se erguia no meio da música quando a gente menos esperava. Eu me lembro de uma viagem no inverno, quando o ônibus fez uma parada em Itabirito e eu vi pela primeira vez minha respiração produzir uma fumacinha como no cinema. Eu me lembro de Darlan Richard, um hippie cabeludo que vivia pelas ruas, cantando: “Cara ou coroa, palitinho ou par-ou-ímpar... Meus pés ‘tão sujos, mas a consciência limpa!”