quarta-feira, 4 de novembro de 2015

3962) Ursula Le Guin (4.1.2015)



Recentemente os leitores e críticos andaram comemorando os 86 anos de Ursula K. LeGuin, para muita gente “a maior escritora de FC de todos os tempos”. Esses títulos são meio bombásticos e pomposos, não fazem muito o meu estilo, mas se eu tivesse que escolher apenas uma autora mulher no gênero escolheria ela, que escreveu Os Despossuídos (1974), A Mão Esquerda da Escuridão (1969), O Nome do Mundo é Floresta (1976), The Lathe of Heaven (1971) – cada qual melhor do que o outro, além de dezenas de contos brilhantes e da famosa série de fantasia (desta não li muita coisa) de Terramar (“Earthsea”, vários volumes).

LeGuin é uma pessoa tranquila e sensata (tenho a excelente tradução inglesa dela para o Tao Te King – o Livro do Caminho Perfeito de Lao Tsé), uma argumentadora implacável, uma feminista ponderada e cheia de argumentos. Filha de um antropólogo, ela trouxe para a FC da época em que estreou um conhecimento refinado de ciências sociais e psicologia, o que deu aos seus livros uma textura humana ausente de grande parte da FC da época, mesmo a de melhor qualidade.

Le Guin é um dos grandes nomes de uma linha de FC chamada justamente de “humanista”, por ser uma literatura onde a tecnologia está presente de forma crucial, mas em segundo plano. O primeiro plano é ocupado pelos conflitos e aventuras de indivíduos em situações sociais muito claras, e muitas vezes com profundas discussões e questionamentos sobre questões de gênero, raça, ideologia, classe social, etc. Seria (para usar a expressão brincalhona atual) uma “ficção científica de Humanas”, e envolve autores como ela, Kim Stanley Robinson, Frank Herbert, Ray Bradbury, Samuel R. Delany, Walter M Miller e muitos outros.

Sem querer insistir demais nessa divisão (pois na verdade em literatura tudo se mistura, o humano e o científico nunca estão ausentes de qualquer obra de FC), é importante ter em mente que muitos leitores (falo de leitores adultos, maduros, com conhecimento razoável de literatura mas zero em FC) desgostam do gênero apenas porque pegaram para ler obras famosas e elogiadas mas que não correspondem ao seu temperamento. Um leitor fanático por tecnologia e especulações científicas pode achar um livro de Kim S. Robinson sem graça, e o mesmo pode ocorrer com um leitor de perfil mais humanista que se depare com uma obra de Arthur C. Clarke. Em todo caso, a obra de Le Guin, ainda lúcida, ativa e escrevente aos 86 anos, tem espessura e substância para merecer o respeito de qualquer leitor que se interesse de fato não só pelo destino da humanidade no cosmos mas pelo destino de um grupo de pessoas dentro da casa onde moram.