terça-feira, 27 de outubro de 2015

3956) Traduzir o poema (28.10.2015)


(poema de Mallarmé)

No Suplemento Literário Minas Gerais sobre tradução (maio), diversos tradutores fazem avaliações sobre a literatura traduzida entre nós: Ivo Barroso, Cláudio Willer, Augusto de Campos, Denise Bottmann e Guilherme Gontijo, entre outros. Tradução é aquela atividade onde geralmente se perde, na melhor das hipóteses se empata, e é proibido ganhar (=ficar melhor que o original).

A tradução de poesia tem dificuldades específicas, e não apenas pelo fato de que se pressupõe ser a linguagem poética mais concentrada, mais rica de nuances, etc. Grande parte da produção poética em qualquer cultura é rimada e metrificada. Obedecer de forma estrita à rima e à métrica do original em outro idioma, e além disso manter o sentido dos versos, é uma tarefa inglória. Rimas exatas poderiam ceder lugar a rimas toantes, por exemplo; o verso poderia variar minimamente de extensão.

No SLMG, o tradutor Álvaro Faleiros diz, sobre isso, que nas traduções poéticas brasileiras há uma “busca de estrutura isomórfica”, ou seja, de um poema que reproduza com rigor o conjunto de efeitos do original. Mas ele diz:

“O ritmo do poema não se devia apenas à distribuição acentual do verso, mas (...) a sintaxe, o léxico e o encadeamento das idéias eram tão determinantes quanto a rima e a métrica. Desde então, tenho procurado inverter a famosa máxima de Haroldo de Campos, para quem a tradução deve ser isomórfica (ou paramórfica) e o sentido deve ser uma ‘baliza demarcatória’. No jogo de perdas e ganhos da tradução, estou tentando tratar os aspectos formais como ‘baliza demarcatória’ e fazer da sintaxe e do encadeamento de imagens o meu ‘topo’”.

São opções opostas, ma não contraditórias; é só uma diferença de ênfase. Alguns poemas têm uma estrutura tão caprichada e original que traduzi-los sem reproduzi-las é deformar o poema: penso, p. ex., em “The Raven” de Poe ou “L’Aura Amara” de Arnaut Daniel. Em outros poemas, contudo, eu preferiria ter a liberdade de alternar versos com 9, 10, 11 linhas ou mudar a natureza e posição das rimas, desde que pudesse reproduzir com mais fidelidade o texto em si, as frases, as imagens, o discurso poético. Produzir uma estrutura isomórfica ao original e ainda manter-lhe o sentido não é impossível (muitos tradutores o fazem), mas equivale a andar numa corda-bamba jogando malabares. É uma façanha para tradutores muito cultos e experimentados. Colocar tão alto o sarrafo, como prova a ser ultrapassada todas as vezes, não pode ser regra obrigatória. Esse modelo é um teto de perfeição a ser alcançado, não é uma façanha a se exigir de qualquer um, e esse esforço nem sempre faz justiça ao original.