domingo, 13 de setembro de 2015

3917) Um nome na música (12.9.2015)




Zuza Homem de Melo e Jairo Severiano comentam (A Canção no Tempo, Ed. 34, 1998) que certa vez o compositor Pedro Caetano foi abordado numa festa por uma moça que pediu: “Faça uma música pra mim!”. Ele descobriu que ela se chamava Maria Madalena de Assunção Pereira, e achou que o nome tinha uma cadência favorável. O resultado foi uma canção que dizia: “Maria Madalena de Assunção Pereira / teu beijo tem aroma de botões de laranjeira...”

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas estava-se nos anos 1940, em pleno Estado Novo. O mundo estava em guerra, a ditadura de Vargas começava a balançar, mas quando Ciro Monteiro começou a cantar a música nos programas de rádio surgiu o problema: “A censura proibia nomes próprios por extenso em letras de música, alegando que isso afetava a privacidade das pessoas”. E olha que o pedido da música partiu da própria moça! A solução, antes que a canção fosse gravada, foi trocar o nome da moça pelo que foi gravado e ficou famoso: “Maria Madalena dos Anzóis Pereira”.

Políticos são muito citados na MPB, e o recorde deve pertencer a Getúlio e JK. Nomes de gente de verdade aparecem aqui e acolá, mas sempre na forma incompleta: “Domingo lá na casa do Vavá / teve um tremendo pagode que você não pode imaginar... / Provei do famoso feijão da Vicentina...” (Paulinho da Viola); “Ô Antonico, vim lhe pedir um favor que só depende da sua boa vontade / é necessário uma viração pro Nestor...” (Ismael Silva); “Marcolino dava tudo por um cheiro de Xandu” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira).

Uma exceção é a “Festa da Arromba” gravada por Erasmo Carlos, onde se nomeia praticamente toda a Jovem Guarda da época. (Acho que o problema de privacidade a essa altura já tinha ido pro espaço.) E o exemplo mais notório da MPB é o da “Língua”, de Caetano Veloso, onde ele homenageia pessoas com nomes fora do comum: “Scarlet Moon de Chevalier / Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé!”. Dos três, apenas o de Glauco é pseudônimo, mas como se trata do nome público usado pelo poeta maldito do Jornal Dobrabil, vale a mesma questão: isso interfere na privacidade da pessoa?

Governos controladores querem legislar sobre os mínimos detalhes da vida pessoal de quem quer que seja, e se pudessem promulgariam um Código Penal personalizado para cada cidadão. Dizem que o maior perigo numa ditadura não é o ditador, é o guarda da esquina, ou o legislador de aluguel. São todos os funcionariozinhos intermediários que, representando o ditador, acham-se meio ditadores também, e a verdade é que é muito difícil desfazer os malfeitos dessa turma. Só o ditador teria autoridade, e o homem é muito ocupado. O problema nunca chega nele.