sexta-feira, 21 de agosto de 2015

3899) Drummond e a FC (22.8.2015)




Em seu livro Lição de Coisas (1962) Carlos Drummond de Andrade incluiu um poema curto cujo título me atraiu desde o primeiro olhar: “Science Fiction”.  Assim mesmo, em inglês, sintoma de uma época em que a assimilação de certas palavras ainda estava incompleta, e ainda se dizia “goal-keeper”, “whisky”, etc.  O texto do poema diz:

“O marciano encontrou-me na rua / e teve medo de minha impossibilidade humana. / Como pode existir, pensou consigo, um ser / que no existir põe tamanha anulação de existência? // Afastou-se o marciano, e persegui-o. / Precisava dele como de um testemunho. / Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se / no ar constelado de problemas. // E fiquei só em mim, de mim ausente.”

O poema surgiu num momento em que a FC estava presente na imprensa e na cultura brasileira em geral, através das edições de Gumercindo R. Dórea (Editora GRD), que vinha publicando obras de FC de Dinah Silveira de Queiroz, Fausto Cunha, Rubens Teixeira Scavone e outros, além da primeira Antologia Brasileira de Ficção Científica (1961).

O texto de Drummond, no entanto, sempre me lembrou outro conto: “Encontro Noturno” de Ray Bradbury, incluído na antologia Maravilhas da Ficção Científica, da Editora Cultrix (1958), organizada por Fernando Correia da Silva, com seleção de Wilma Pupo Nogueira Brito e introdução de Mário da Silva Brito.

No conto de Bradbury (na verdade, uma das suas “Crônicas Marcianas” de 1950) um terrestre e um marciano se encontram por acaso no alto de uma colina de Marte, começam a conversar, e descobrem que estão num ponto de cruzamento entre momentos diferentes no tempo. O marciano vê no vale lá embaixo sua civilização viva e florescente; o terrestre vê ruínas desertas. Depois de um diálogo cheio de contradições, os dois se separam, perplexos, e cada um vai cuidar de sua vida.

O poema de Drummond sismografa a presença da FC na nossa literatura da época. O poeta refletia sobre a civilização tecnológica que começava a envolvê-lo: é desse livro seu famoso poema sobre a bomba atômica, “A bomba” (“A bomba / é uma flor de pânico apavorando os floricultores / A bomba / é o produto quintessente de um laboratório falido”). O marciano (que não deixa de lembrar o marciano visitante de Fausto Cunha em “Visita Sentimental de um Jovem Marciano ao Planeta Terra”) torna-se nessa fase um símbolo preferencial do Outro, do Estranho, do que nos descobre e olha para nós com assombro e incredulidade. É o próprio Drummond que se auto-descobre no poema ao lado, “O Retrato Malsim”, constatando o “morrer em pensamento quando a vida queria viver”. Era um símbolo interplanetário para a angústia existencial.