segunda-feira, 22 de junho de 2015

3847) "Sobre a Escrita" (23.6.2015)



Está nas livrarias Sobre a Escrita ("On Writing") de Stephen King (Ed. Objetiva, tradução de Michel Teixeira), um livro que vale a pena ler e anotar, se você é um pretendente a escritor. Qualquer livro assim, em tese, pode trazer dicas importantes, e minha teoria pessoal é de que quem sente a necessidade de ler livros de “Conselhos Para Pretendentes a Escritor” está mesmo precisando de conselhos, portanto faz bem em ler. É o meu caso, para não ir muito longe. (Tem muitos que acham que já são escritores, sem ser, acham que ninguém pode ensinar-lhes coisa alguma, e neste caso a única coisa possível é deixar que continuem batendo com a cabeça na parede até que uma das duas se abra.)

King não é teórico, mas é um cara articulado e inteligente. Seu livro Dança Macabra é uma das melhores análises existentes sobre o terror e o fantástico nas artes narrativas. Sem vocabulário acadêmico e sem jargão filosófico (eu até suporto bem esses ingredientes, mas não lhes sinto a falta quando é o caso) ele é um leitor e espectador atento, sabe teorizar, sabe extrapolar a partir do que vê, e tem, por assim dizer, o espírito da coisa. Ao comentar uma obra, vai direto ao ponto; tem faro de enredo, assim como há atacantes que têm faro de gol. Terror e fantástico são algo que King entende intuitivamente, e vem provando isso há 40 anos.

Sobre a Escrita é metade manual-de-escritor e metade memórias, porque foi escrito quase todo após o atropelamento acidental que deixou King avariadíssimo, numa dolorosa recuperação que ele descreve no terço final do livro. Seus conselhos, bem, são os de sempre, os que aparecem em todo manual. Corte advérbios e adjetivos, enxugue o texto, não explique em demasia, pense sempre qual é a história que está tentando contar... O que diferencia cada manual é o modo como o autor encaixa esses conselhos no seu texto, os exemplos e contra-exemplos que fornece, o eventual bom humor, a eventual erudição.

A tradução brasileira saiu agora, mas o que li foi a edição original, que tem uma capa excelente de Shasti O’Leary. É a foto da lateral de uma casa, com uma janela de vidraças e, logo abaixo dela, aquela típica entrada norte-americana para o porão, aquela porta comprida no chão, inclinada de encontro à parede da casa. A porta de porão sugere uma entrada de serviço (neste livro, estamos entrando na literatura pela entrada de serviço, não pela porta de frente) e ao mesmo tempo o mítico porão de tantas histórias de terror como as do próprio King. O porão do inconsciente, o lugar onde estão escondidas as coisas que muitas vezes só podem vir à luz envoltas no campo-de-força da Narrativa.