terça-feira, 5 de maio de 2015

3806) Dicas anti-racismo (6.5.2015)



(foto: navio negreiro, por Marc Ferrez)

A revista eletrônica Salon perguntou a ativistas e escritores negros que atitudes podiam ser tomadas, por pessoas brancas, para combater o racismo nos EUA. Algumas respostas (http://tinyurl.com/pbhj8hd) indicam caminhos para isto, numa época de tanto conflito e de tanta violência, como vimos recentemente em Baltimore. (Sem falar no Brasil, claro.) Para Kali Holloway, que escreveu a matéria, “abordar o racismo e a desigualdade racial como um branco aliado é necessariamente desconfortável e difícil. Implica em pôr de lado defesas pessoais para reconhecer as maneiras como nós, brancos, consciente ou inconscientemente apoiamos a supremacia dos brancos. Significa desafiar a si mesmo a reconhecer a existência dos privilégios, e do fato de que nos beneficiamos deles, pessoalmente.”

Brittney Cooper, co-fundadora do Salon sugere que não basta a um simpatizante branco ir às comunidades negras para manifestar apoio, mas também proclamar sem medo esse apoio quando estiver cercado apenas de brancos, e usar seus privilégios para confrontar as injustiças raciais quando as presenciar, seja no mercadinho da esquina ou na sala de reuniões da diretoria. A escritora Daisy Hernández (A Cup of Water Under My Bed: a Memoir) aconselha o pessoal a prestar atenção na linguagem quando estiver lendo ou escrevendo. Quando a polícia atira em alguém na rua, o texto se refere a um “estudante” ou a um “jovem negro”? Falar e escrever significa fazer escolhas verbais que definem nossa atitude, e essas escolhas muitas vezes são herdadas inconscientemente.

Arthur Chu, colaborador de Salon, aconselha os brancos a lerem algum livro: “É mais barato do que pagar por uma aula, e infinitamente melhor do que tentar estudar o assunto com opiniões de terceira ou quarta mão fazendo perguntas via Twitter. Se você tem amigos negros ou asiáticos, é muito melhor perguntar qual o livro que eles lhe recomendam do que pedir a eles que lhe expliquem ali, na hora, a questão racial.” Rebecca Carroll, colaboradora do Guardian, levanta entre outras questões esta, muito simples, citando a atriz Amandla Stenberg, a Rue de Jogos Vorazes: “Que tal se a gente gostasse das pessoas negras tanto quanto gosta da cultura negra?”.

Sarah Sahim, escritora, adverte: “Fique de pé e proteste. Muitos estão impossibilitados de protestar, mas há opções. Crie alguma coisa: fanzines, arte, podcasts, artigos. Vocês são brancos. Usem o respeito incomparável que recebem como direito de nascença para reconhecer e corrigir esta situação”. O privilégio é uma moeda, uma arma, um poder; que a gente recebe sem pedir, quando nasce, e resolve como vai usar, quando cresce.



3805) Ruth Rendell 1930-2015 (5.5.2015)



Ela pertenceu à linhagem das grandes damas do romance policial britânico, com Agatha Christie, Dorothy Sayers, P. D. James e outras. Cada uma com seu estilo e suas histórias; cada uma com seus criminosos típicos e seu detetive preferido. Não li nenhum dos romances de Ruth Rendell onde aparece o Inspetor Wexford, sua criação mais famosa, mas nada está perdido. O único consolo que temos na morte de um escritor é que ele se vai mas os livros ficam. (Imaginei agora, durante ume terrível fração de segundo, um planeta distópico onde a morte de um escritor fazia desaparecer para sempre todos os seus livros impressos e todas as palavras escritas por ele ao longo da vida.)

O obituário da BBC registra um fato divertido: bem jovem, ela trabalhou como repórter num jornal de Essex, e acabou demitida devido à cobertura que fez de um jantar num clube esportivo local. Rendell não compareceu ao evento e fez o que muitos repórteres fizeram e farão até o fim dos tempos: escreveu a reportagem “no escuro”, uma vez que jantares desse tipo são sempre iguais. O que ela não contava é que o orador principal da noite teve morte súbita durante o discurso, e o jornal dela foi o único que ignorou o fato.

“Eunice Parchman matou a família Coverdale porque não sabia ler nem escrever.” A frase inicial de Um Julgamento em Pedra (1977) é um dos começos mais famosos da literatura policial, porque abre o livro revelando quem é o criminoso.  A série fatalista de circunstâncias que leva uma empregada (que esconde o fato de ser analfabeta) a chacinar os patrões foi filmada por Claude Chabrol (La cérémonie, 1995). Pedro Almodóvar filmou Carne Trêmula (1997) baseado em seu romance Live Flesh (1986). A obra de Rendell, felizmente, tem sido traduzida no Brasil: deve haver mais de vinte títulos à disposição do leitor, por várias editoras.

Traduzi apenas um dos contos magníficos dela: “O Duplo (Encontro no Parque)”, na minha antologia Contos Fantásticos de Amor e Sexo (Ímã, 2011), a história de um homem dividido entre duas mulheres iguais. “The New Girl Friend” (1984) conta a história da amizade entre uma mulher e seu vizinho que pratica “cross-dressing” quando está sozinho em casa.  “The Fallen Curtain” (1975) mostra a busca silenciosa de um homem para reconstituir um episódio obscuro em que se envolveu num parque com um adulto, quando era menino. “The Haunting of Shawley’s Rectory” (1979) fala de uma casa assombrada por visões de um crime. Sua prosa é límpida, implacável; sua percepção da alma humana chega a ser incômoda – ela parece saber sobre seus personagens mais do que a prudência recomenda.