quinta-feira, 30 de abril de 2015

3802) "Twin Peaks" (1.5.2015)



Completam-se 25 anos do lançamento da série de TV Twin Peaks, criada por David Lynch. Há uma continuação em projeto, se bem que o diretor, como toda estrela que se preza, esteja fazendo um certo foi-não-foi a respeito de orçamento. Estou aproveitando para dar uma olhada geral na série, pois na época vi vários episódios fora de ordem, tive que ler na imprensa o enredo, portanto não considero que tive a experiência estética verdadeira de quem vê a história por ordem cronológica desde o começo. Estou tendo agora, quando revi em alguns dias a primeira temporada inteira.

Twin Peaks é uma cunha do “uncanny” enfiada na fórmula-padrão do seriado de TV norte-americano. É um Dallas refilmado pelo Buñuel do México, com paisagens do Maine de Stephen King. Menos inquietante / espantoso / perturbador / violento / surreal do que filmes como Eraserhead (1976), O Homem Elefante (1980), Veludo Azul (1986) ou Coração Selvagem (1990), que ele àquela altura já tinha feito, no cinema. Lynch desembarcou na TV com o cacife desses filmes demolidores, e se apropriou do formato de narrativas tipo Peyton Place, sobre as mazelas ocultas por baixo do esmalte, xampu e batom de uma cidade perfeita nos moldes norte-americanos. Só que Peyton Place, Dallas e outros descascam apenas a casca de fora dessas feridas. Lynch afunda o bisturi e puxa lá de dentro alguma coisa que não vemos porque até a câmara se afasta, para mostrar a paisagem através da vidraça partida.

A música de Angelo Badalamenti produz um clima de ansiedade crescente, que vai surgindo, vai cercando, vai envolvendo.  Lynch sabe dar um clima ominoso a uma cena banal, como duas pessoas conversando, apenas com o uso de uma massa sonora subliminar que parece um tsunami de ameaça prestes a arrastar aquelas pessoas para longe.  Sua trilha lembra Philip Glass, pelo uso recorrente de pequenas frases musicais aparentemente simples, assobiáveis, células melódicas que grudam na memória; e lembra Sérgio Leone pelo “crescendo” épico que arrebata tudo e todos, uma música de melodrama sem constrangimento, talvez porque se trate de um melodrama existencial e metafísico e as possibilidades de sentimentalismo água-com-açúcar estejam canceladas desde o primeiro acorde.

Uma das maneiras de usar o melodrama na narrativa de hoje é não se curvar a ele, não lhe dar as rédeas, mostrar desde logo ao público que o lado melodramático daquela história é apenas um elemento a mais, mas que o diapasão está sendo fornecido por outro conjunto de intenções. O melodrama é a cobertura do bolo, mas o que há por baixo dela é outra coisa, que só será descoberta na hora da mordida.