sexta-feira, 24 de abril de 2015

3796) O fantástico todoroviano (24.4.2015)


Tzvetan Todorov, em sua Introdução à Literatura Fantástica, produziu uma das mais úteis tentativas de definição do Fantástico. Tão útil que acabou se tornando um problema para críticos e teóricos. Muitos acham que a maneira como Todorov via o gênero era “a maneira certa”, e que as outras são erradas. O que é um engano, claro. Eu chamo a fórmula criada por ele “O Fantástico Todoroviano”, pois abarca uma boa parte do gênero, mas não o esgota. Nenhuma fórmula esgota um gênero, que pode (como o próprio Todorov admitia) ter seu perfil modificado pelo aparecimento de uma obra diferente de todas as anteriores.

Todorov reconhecia dois extremos numa escala das narrativas do sobrenatural. Num extremo, o Maravilhoso: histórias totalmente irreais, imaginárias, sem vínculo com nossa realidade. No outro, o Estranho, histórias que têm algo de insólito ou extraordinário, mas no final admitem uma explicação realista, não-sobrenatural. O Fantástico (para ele) seria uma oscilação intermediária, histórias onde o personagem, ou o autor, ou o leitor, ou os três, não conseguem decidir se os fatos narrados são de fato sobrenaturais (o que levaria a história para o terreno do Maravilhoso) ou têm explicação realista (o que a levaria na direção do Estranho).

O livro original de Todorov é de 1970. Duvido que ele não conhecesse então a famosa Antologia da Literatura Fantástica de Borges, Bioy Casares e Silvina Ocampo (São Paulo: Cosac Naify, 2013, tradução de Josely Vianna Baptista). No prólogo (a antologia é de 1940) diz Bioy Casares:

“Os contos fantásticos podem ser classificados, também, pela explicação: a) os que se explicam pela ação de um ser ou de um fato sobrenatural; b) os que têm explicação fantástica, mas não sobrenatural (“científica” não me parece o adjetivo conveniente para essas invenções rigorosas, verossímeis, à força de sintaxe); c) os que se explicam pela intervenção de um ser ou de um fato sobrenatural mas insinuam, também, a possibilidade de uma explicação natural (“Sredni Vashtar”, de Saki); os que admitem uma alucinação explicativa. Essa possibilidade de explicações naturais pode ser um acerto, uma complexidade maior; geralmente é uma fraqueza, um subterfúgio do autor, que não soube propor o fantástico com verossimilhança.”

Note-se que a quarta via sugerida por Bioy (“alucinação explicativa”) pode perfeitamente estar contida na terceira, pois uma alucinação seria uma “explicação natural” – o que vimos é um delírio do personagem. Não tenho à mão agora o livro de Todorov para ver se ele cita Bioy, mas me parece clara a influência, ou no mínimo a convergência de raciocínio entre os dois.