segunda-feira, 9 de março de 2015

3757) Racismo e literatura (10.3.2015)




(Nalo Hopkinson e Samuel R. Delany)


Num artigo de 1998 sobre “Racismo e Ficção Científica” (aqui: http://tinyurl.com/corglp), Samuel R. Delany comentou, entre outras coisas, o que ele chama de “racismo de boas intenções”. Ele afirma, muito tranquilo, que o racismo não é necessariamente um impulso de maldade: 

“O racismo é um sistema. Como tal, ele é alimentado tanto pelo acaso quanto por intenções hostis e até mesmo boas intenções.  Ele é tudo que sistematicamente acostuma  as pessoas, de todas as cores, a se sentirem confortáveis com o isolamento e a segregação das raças, num nível visual, social ou econômico – o que por sua vezes tanto apoia quanto é apoiado por uma discriminação sócio-econômica.”

Delany, que é negro, conta o episódio de sua ida a uma convenção de FC onde as sessões de autógrafos eram realizadas com duplas de autores, durante uma hora, para dar chance a todos. A autora indicada para autografar junto com ele nesse dia foi Nalo Hopkinson, uma jovem autora negra, ex-aluna e amiga dele.  

Delany depois observou aos organizadores que era amigo e ex-professor de dezenas de outros autores. Por que escolheram Hopkinson para ficar com ele na mesa?  E o pessoal, com toda simpatia, disse: “Bem, achamos que vocês dois juntos se sentiriam mais à vontade”.

A boa intenção da rapaziada acabou reproduzindo um isolamento do tipo “negro anda com negro, branco anda com branco”.  

Delany diz que várias vezes por ano é chamado para mesas-redondas de FC ao lado de Octavia Butler, outra escritora negra, que ele admira, mas que faz uma literatura completamente diferente da literatura dele.  Por outro lado, ele se considera muito identificado com a literatura dos cyberpunks; Wiliam Gibson fez um prefácio elogioso à reedição de seu romance Dhalgren, declarou ter sido influenciado por ele, etc., mas ele não é chamado para debater com os cyberpunks, que por uma certa coincidência são todos brancos (ou eram, na época do texto).  

Não: só o convidam para, junto a Octavia, ou a Nalo Hopkinson, ou a Tananarive Due, falar sobre “a ficção científica afro-americana”, uma coisa, diz ele, “que, em grande parte, existe apenas porque recebeu um nome”.

“Tudo que essa comparação indica,” diz ele, “é a força pura e não-adulterada do discurso de raça em nosso país, comparado a qualquer outra. Numa sociedade como a nossa, o discurso de raça está tão envolvido e misturado com o discurso do racismo que eu desafio qualquer pessoa a conseguir fazer uma distinção clara e precisa entre os dois. (…) O racismo consiste também em acostumar as pessoas a se familiarizar com certas configurações raciais, de modo a que se sintam desconfortáveis com outras.”