sábado, 17 de janeiro de 2015

3713) Revolucionários (17.1.2015)




(ilustração: Pierre-Adrien Sollier)

Eu tenho um amigo meu que é contra a Revolução Francesa.  Seu propósito na vida é provar que aquilo foi um equívoco gigantesco, uma catástrofe.  Está com uns 45 anos e dedica todas as horas vagas (é bancário) ao estudo da RF e à publicação de textos minuciosos, cheios de notas de rodapé, provando por a+b que... O que ele prova?  Não entendi até hoje, porque tudo que sei daquela conflagração aprendi no curso ginasial.  Depois, só me lembrei dela no filme Scaramouche e nos romances do Pimpinela Escarlate.

Nada pode demover Danilo (nome dele) da sua campanha.  Ontem estávamos em turma, tomando cerveja, falando de França e de humorismo, e no primeiro remanso da conversa ele se virou pra mim e disse: “Você já leu A História da Guilhotina, de Kershaw?”.  Eu não sou homem de dar o braço a torcer, e driblei a questão: “Tenho, mas não li ainda.”  Ele agarrou o mote como quem agarra uma bola de beisebol tacada rumo à torcida: “Este é o problema, as pessoas não se informam.  Ficam repetindo clichês feito papagaios, e não vão às fontes primárias.”

Aí entrou no discurso de sempre, que todo revolucionário na verdade só quer derrubar o rei pra sentar no trono, que todas as revoluções terminam do mesmo jeito, Robespierre era um paranóico, Danton um bunda-mole, e que isso que aquilo; nem Lecomte de Lisle escapava, porque para ele a Marselhesa era “um dos poemas mais sanguinolentos e totalitários já escritos”, só se salvava por causa da melodia, e olhe lá, porque o Hino Nacional Brasileiro, visivelmente plagiado dela, a tinha estragado para sempre.

Diga-se, por justiça, que ele também condenava com veemência a Revolução Americana (“Thomas Jefferson era um escravocrata, um demagogo, pior do que Joaquim Nabuco!”), a Revolução Russa (“uma quadrilha de barbudos fedendo a vodka, invadindo os palácios mais bonitos da Europa!”) e a Revolução Mexicana (“essa nem intelectuais teve, era só povo e carnificina”).  Mas a nêmese dela era a Francesa, e todo este relato é para chegar num dos seus axiomas.

Diz Danilo que quem sobe ao Poder pelo sangue só pode ser apeado dele pelo sangue. E que a conquista sangrenta mancha indelevelmente esse Poder, porque o ser humano é como aqueles tigres mansos criados em cativeiro, alimentados com uma chã-de-dentro qualquer, e que quando sentem o cheiro de sangue humano eriçam os bigodes e espetam as orelhas.  Políticos e militares são como tigres, diz ele. Subir ao trono matando desperta neles uma memória primordial de quando nossos tataravôs cortavam gargantas sem prestar contas ao Judiciário. Sentem-se não apenas capazes de tudo, mas dispostos a tudo para se manter ali. “Son jour de gloire est arrivé.”