segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

3997) Noel Rosa (15.12.2015)




(Noel Rosa, por Thiago Bertoni)


Pois é, Noel Rosa faz 105 anos. Noel e Adoniran Barbosa (ambos de 1910) falavam de um tipo de gente muito específico, o sujeito de certo nível que pelas contingências da vida está precisando dormir num banco de praça, porque foi desalojado do muquifo que habitava de graça. É um momento zen da vida humana. A vida é uma coisa diferente para quem só tinha o direito de se concentrar em duas coisas: o que eu vou comer hoje, e onde vou dormir a próxima noite.

“Eu, Mato Grosso e o Joca” são personagens de um que poderiam estar disputando o banco de praça de “O orvalho vem caindo”. Eu entendia que umas daquelas histórias se passavam em São Paulo, outras no Rio. Mas eu achava que conhecia os ambientes, de tanto ver as chanchadas no cinema. Tinha uma vaga idéia dos principais pontos de referência turística no Rio. Eu era um menino. Então vi numa revista Brasil Enigmista um artigo de alguém destacando e comentando versos de Noel Rosa. Reconheci algumas canções que volta e meia eram ouvidas no rádio. Tudo aquilo era dele.

Noel tem virtudes variadas como letrista, mas eu queria bater na tecla de sempre, a da letra que conta uma historinha. Ou letras que são praticamente um cartum em animação, como “Conversa de Botequim”, “Com que roupa”, “Três apitos”... São gifs animados em várias partes. Não é uma história com começo, meio e fim; é uma sucessão de flashes com parcial passagem de tempo, mais em uns, menos em outros. Flashes poéticos que às vezes contam mais sobre um pedaço da história humana do que um livro inteiro.

O freguês do botequim de Noel é como o Riobaldo de Rosa, uma voz incessante, reiterante, minudente e disposta a refletir em voz alta cada luz que lhe mandar a vida. Ele fala com o garçom como o jagunço falava com “o doutor”. Aliás, essa letra parece mais com o monólogo rosiano Meu tio, o Iauaretê, com Cacá Carvalho. Uma peça com apenas dois atores, um só falando, o outro só escutando, quase sem se mexer. No fim, um deles mata o outro. (No botequim o garçom não fala, mas escapa.)

Noel tinha uma riqueza de rimas que lhe permitia dizer uma coisa inesperada sem perder o fio da meada. Usava em suas letras modos de dizer da época, do momento, como qualquer compositor sempre fez.  Para Noel (imagino) bastava dinheiro no bolso, namoro engatando, uma turma boa com quem sair... Nesse ponto se parece a Castro Alves. O número de obras que cada um deixou é muito grande. O poeta baiano morreu com 24 anos; o compositor carioca com 26.  Me pergunto às vezes as obras que teríamos se Noel Rosa, nascido no mesmo ano que Adoniran Barbosa, tivesse vivido até a mesma idade dele.




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