segunda-feira, 27 de julho de 2015

3877) Começos perfeitos (28.7.2015)



Um websaite (aqui: http://tinyurl.com/ousgv8o) escolheu os seus cinco melhores começos de romances FC e fantasia. E lembrava aos leitores que talvez cada um de nós não possa escrever um romance de fantasia perfeito, mas uma frase inicial perfeita é algo ao alcance de muitos. Soman Chainani cita boas aberturas de livros dos quais não tenho referência, como The Magicians de Lev Grossman (“Quentin fez uma mágica. Ninguém percebeu.”), The Voyage of the Dawn Treader de C. S. Lewis (“Havia um rapaz que se chamava Eustace Clarence Scrubb, e ele era quase merecedor disso.”), Feed de M. T. Anderson (“Fomos à Lua para nos divertir, mas acabou que a Lua era um saco.”) 

Por que são bons? (Para esse tipo de análise, não precisam ser “Os Melhores”, conceito desnecessário.)  No de Grossman temos dois fatos enunciados em duas frases diretas como duas machadadas vindo de direções opostas. No de Lewis, muito da espirituosidade da frase deve residir nas ressonâncias desse nome tão pomposamente britânico, que poderia talvez aparecer nos livros de Rowling ou de Dickens. O de Anderson, falando da Lua, lembra os contos de Berilo Neves e seus passeios interplanetários (“—Onde estás? – Em Saturno. Traze-me uma cesta de framboesas de Teresópolis. Em Saturno, não há framboesas.”), mas tem também uma tintura cínica, blasê, e lembra os “spacers” saltando de cidade em cidade, planeta afora, em Samuel Delany (“Aye, and Gomorrah”).

Um comentarista do saite lembra o início de um livro de Peter S. Beagle: “The unicorn lived in a lilac wood, and she lived all alone.”  Há um curioso problema de tradução nessa linha. Poderia ser “O unicórnio vivia num bosque de lilases, e ela vivia ali sozinha”.  O inglês precisa definir o gênero feminino da palavra usando “she”, mas nós podemos esquecer o “ela” e dizer: “O unicórnio vivia num bosque de lilases, e vivia ali sozinha”. A revelação-surpresa do gênero é diferente em português. Existirá a forma “a unicórnia”?  Isto é matéria para os gramáticos. No caso, a opção seria “A unicórnia vivia num bosque de lilases, e vivia ali sozinha.” O “sozinha” já não estaria dando a informação de gênero, mas serve como uma confirmação, dissipa a dúvida dos leitores mais incrédulos.

E o começo de um livro de Pamela Dean: “Edward Fairchild, Príncipe da Floresta Encantada, Comandante da Borda do Deserto, Amigo dos Unicórnios e Monarca do País Secreto desejou estar bem longe dali.”  Um pouco da mesma ironia usada por C. S. Lewis no começo citado aí no alto.  O mesmo contraste, nos dois exemplos, entre as maiúsculas pomposas das primeiras partes e as enunciações puramente mentais das segundas.


Um comentário:

Wandique disse...

Ah, eu gosto do começo do "Grande Sertão": Nonada.
E o fim: Travessia ...