quinta-feira, 2 de julho de 2015

3856) Títulos de filmes (3.7.2015)



Anos atrás li uma matéria de jornal sobre as distribuidoras de filmes no Brasil. Um dos assuntos conversados era a atribuição de títulos. Um funcionário dizia que eles mantinham no escritório um caderno de títulos, que eram atribuídos meio aleatoriamente sempre que surgiam filmes difíceis de traduzir.  Os títulos tinham que ter a ver com o tema do filme, e deviam ser chamativos, no estilo de Trama diabólica, Pacto de sangue, Almas em leilão, Entre dois amores, À beira do abismo, Desejo mortal, Rastros de ódio...

Quando um filme se intitula Once upon a time in the West não custa muito traduzi-lo para Era uma vez no Oeste. Mas quando um filme tem o título de Giant, talvez “Gigante” passe uma idéia errada. O que faz a distribuidora? Tira de sua cartola mágica um dos melhores títulos de todos os tempos, Assim caminha a humanidade. O Sunset Boulevard de Billy Wilder poderia ter virado “Avenida Crepúsculo”, mas resultou no ótimo Crepúsculo dos Deuses.

Nem sempre essas descobertas são consequências da pobreza do original. Um filme chamado Love is a many splendored thing bem poderia ser batizado aqui como “O amor é uma coisa muito esplendorosa”, mas não acho isto melhor do que Suplício de uma saudade, que bateu e ficou. É açucarado, mas está no clima do filme, o que não acontece com o Depois daquele beijo que apuseram a Blow Up.

Quando o original tem um título marcante, melhor mantê-lo e colocar um enfeite lusófono, como temos em Outland, Comando Titânio, Minority Report: a nova lei, Videodrome, a síndrome do vídeo. Só não se deve é pegar pesado como ocorreu com Darling, a que amou demais (Schlesinger), Persona: quando duas mulheres pecam (Bergman) ou Mouchette, a virgem possuída (Bresson).

O bom e velho Expedito, distribuidor de filmes na Paraíba, era senhor-do-baraço-e-do-cutelo no circuito interiorano. Tinha o direito conquistado de cortar cenas, mudar títulos, o escambau. Contou pra gente uma vez como resolveu o problema gerado por Édipo Rei de Pasolini. “Isso é lá título!”, reclamou. E cortou o nó górdio de maneira exemplar: Édipo, o Homem Que Matou o Rei. E dizia: “É mentira minha? Assista o filme!”.

Tiro meu chapéu para quem transformou America, America de Elia Kazan em Terra do sonho distante; Bonnie and Clyde de Arthur Penn em Uma rajada de balas; The man from Laramie de Anthony Mann em Um certo capitão Lockhart, Pierrot Le Fou de Godard em O demônio das onze horas; The big country de William Wyler em Da terra nascem os homens; Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha em Le dieu noir et le diable blond.







2 comentários:

Unknown disse...

Certo, mas um dia ainda veremos "Ching-Lee, a Máquina Mortífera, contra o Dragão Exterminador do Passado Duro de Matar, que foi Barrado no Baile da Loucademia de Polícia para os Tiras da Pesada - Parte XVI: O Confronto!"

Antonio Morais de Carvalho disse...

Ninguém pode impedir que o distribuidor ou o editor interfira no título do filme ou do livro, mas, a despeito de alguns acertos, o melhor é cerrar fileiras em defesa da fidelidade ao original para evitar as atrocidades. Em Portugal, por exemplo, o livro “Las armas secretas”, de Cortázar, teve seu título alterado pelo editor para “Blow-up e outras histórias.” Que tal?