quarta-feira, 1 de julho de 2015

3855) Aprender a ler (2.7.2015)



Quando li o Tarzan de Edgar Rice Burroughs (na antiga tradução, acho que de Monteiro Lobato, da Coleção Terramarear) um dos episódios que mais me marcaram foi aquele em que Tarzan, já rapazinho e criado pelos macacos, encontra na floresta uma cabana abandonada. 

Ele não sabe que era a cabana onde seus pais tinham vivido; fica fascinado pelos livros, que são descritos com o “olho bruto” de quem vê algo sem compreender para que serve. Os livros têm figuras, e embaixo das figuras o rapaz-macaco vê umas formiguinhas enfileiradas, assim: “m-e-n-i-n-o”. E com isso ele vai relacionando as formiguinhas com as figuras, e aprende sozinho a ler. 

Fantasioso? Sem dúvida, mas é dramaturgicamente impecável, e é a única cena do livro que eu lembro inteiramente até hoje.  (No original, aliás, é até mais plausível: ele se acostuma a ver as três formiguinhas b-o-y embaixo de toda imagem de um menino.)

Dias atrás fiz uma palestra para uma turma de estudantes de leitura numa escola particular em São Paulo. São pessoas na faixa dos 30-40 anos que não tiveram carreira escolar normal e que agora, depois de adultos, estão praticando a leitura, inclusive leitura em voz alta. Meus cordéis publicados pela “34” (Artur e Isadora, O Flautista Misterioso) estão sendo estudados por eles, daí o convite para que eu fosse trocar idéias.

Contei a eles o caso do cordelista João Martins de Athayde. O pai queria que o menino o ajudasse na roça, e proibiu que ele estudasse. O garoto era teimoso, e aprendeu a ler por conta própria. Pegava pedaços de jornal que tinham ficado presos nas touceiras do mato, e perguntava às pessoas: que letra é essa, etc. Depois, conseguiu uma carta do ABC e andava com ela escondida no chapéu, estudando-a escondido, sempre que tinha tempo, fazendo perguntas a um e a outro. Assim se alfabetizou.

Há muitos casos de cordelistas analfabetos que compunham seus folhetos inteiramente de memória e depois ditavam as sextilhas a um filho que sabia ler e escrever. E o mais bonito é que a alfabetização do filho era custeada com a venda dos folhetos do pai analfabeto.  

E há o caso famoso de outro poeta popular, não me ocorre agora qual deles, que estava dando uma entrevista a um jornalista do Sudeste, que a certa altura lhe perguntou: “Seu Fulano, o senhor estudou?”. E ele respondeu, com modesto orgulho: “Não estudei, mas hoje sou estudado.”

Há numerosos tipos de meritocracia, mas ainda estou para ver um exemplo de alguém que tenha dependido exclusivamente de si próprio para vencer na vida. Da minha parte, gosto de lembrar essas histórias dos cordelistas humildes todas as vezes que recebo um cachê para falar numa Feira do Livro.





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