terça-feira, 9 de junho de 2015

3835) Palíndromos (9.6.2015)



Falo aqui de vez em quando sobre a arte do palíndromo, a frase que lida ao contrário é a mesma coisa. O exemplo-padrão, que conheço desde guri, é “Roma me tem amor”. 

Fazer palíndromos é uma arte barroca, cuja característica principal é um excesso de complexidade no processo para um excesso de perplexidade com o resultado. 

Uma matéria recente no “Globo” (http://tinyurl.com/pr8b8hu) lista entre os praticantes da Grande Arte o escritor e ator Gregório Duvivier (autor de “Soluço-me sem óculos” e do fescenino “E até cu buceta é”) e o cartunista Laerte (autor de “Rir, o breve verbo rir”). 

A matéria também cita palíndromos de Chico Buarque (“Até Reagan sibarita tira bisnaga ereta”), Millôr Fernandes (“A grama é amarga”), Paulo Henriques Britto (“Ótimo, só eu, que os omito”), Marina Wisnik (“Lá vou eu em meu Eu oval”).

Brincadeira de gente desocupada? Não acho. Acho que é brincadeira de gente ocupada – e doida para achar um pretexto qualquer pra não começar a trabalhar. Para adiar o instante terrível do trabalho, o cara se dedica à invenção de palíndromos. 

Eu diria quase “a descoberta”, em vez de “invenção”, porque um palíndromo tem algo de inevitável: se a palavra “lâmina”, lida ao contrário, dá “animal”, todos os sujeitos que perceberem isso vão fazer palíndromos parecidos. É como se essas frases se formassem a si mesmas, precisando apenas de uma ajudazinha de uma equipe de seres humanos.

A literatura não deixou de perceber as propriedades mágicas de fórmulas tão enigmáticas. 

Osman Lins usou o palíndromo latino “sator arepo tenet opera rotas”, “o lavrador mantém com cuidado a charrua nos sulcos”, como mote gerador de seu romance Avalovara (1973). 

Tim Powers, em Expiration Date (1996) conta sobre caçadores de fantasmas que escrevem palíndromos em folhas de papel para aprisioná-los: os fantasmas começam a ler o palíndromo e ficam indo e voltando, em loop, sem conseguir sair dali.

Fraga, um dos maiores frasistas brasileiros, inaugurou mês passado em Porto Alegre uma exposição de palíndromos (veja aqui: http://tinyurl.com/o6jfsyy), entre os quais façanhas como esta: “Será sol e pane para plano Ícaro. O voo racional para. Pena pelos ares”. 

Ao me avisar, mandou-me este: “Ser avatar: ele duplica fácil. Pude ler a Tavares”. Que eu respondi assim: “A semana à toda: a garfada, Fraga adota-a na mesa”. 

Brincadeira de desocupados? Não, acho que é um exercício de mentes capazes de pequenas proezas em atividades para as quais o Capitalismo, esse vagaroso dinossauro rumo à extinção, não conseguiu conceber recompensas pecuniárias à altura do tempo, do esforço, do talento envolvidos.



2 comentários:

Fraga disse...

Bah, Braulio: na parte que me toca, fiquei quase sem palavras (exagero, um palindromista jamais cai nessa). No restante, seu artigo é um excelente trampolim para mergulhos mais profundos nessa arte tão mal percebida. Por ex: interessante na minha expo ver que o título Palindromania foi insuficiente para orientar, digamos assim, a conferida no vai e vem de cada frase. Passaram batidas, lidas apenas no sentido ocidental, e aí as engenhosidades sumiram na poeira do desconhecimento do que é um palíndromo. Eu, porém, me recuso a dar instruções a leitores, que se subestimem sozinhos. Palmas pra vc, que tem lugar garantido no minúsculo rol dos bons palindromistas tupiniquins. E gracias pelo seu presente a mim, adorei de cabo a rabo e de lá pra cá. Também dou gracias pela baita divulgação do evento: o tambor do Mundo Fantasmo sempre ressoa a favor da pluralidade cultural. Abração, não vamos parar de palindromar!

Abel Costa disse...

Palíndromo, desculpe a ignorancia, nunca ouvi falar, obrigado por explicar.