sábado, 25 de abril de 2015

3798) A carência retórica (26.4.2015)



Uma coisa que me inquieta nas discussões das redes sociais e nos comentários de websaites é a imensa truculência, grosseria e estupidez com que as pessoas se exprimem quando estão discutindo algo que as incomoda. 

A Internet levantou o tapete do Brasil e nos mostrou o que estava oculto há muitas gerações. A liberdade de “dizer o que bem entender” tem sido usada por essas pessoas para insultar e agredir verbalmente qualquer bode expiatório que passar pela sua frente. E não venham me dizer que é a “Direita hidrófoba” que faz essas coisas. É todo mundo, de um extremo ao outro, e principalmente nos dois extremos.

Vou deixar de lado os que são meio psicopatas, os que aceleram o carro pra cima de uma passeata, os que se desentendem numa fila e daí a pouco matam um desconhecido com seis tiros, os que se juntam para linchar uma pessoa que foi confundida com outra. São pessoas em ebulição permanente, a ponto de explodir, e para elas tudo é pretexto. 

Casos perdidos, e não é neles que penso. Penso nas pessoas que não são assim (entre as quais amigos, conhecidos meus) e que “do nada” produzem frases de uma violência e um teor ofensivo que... não vou dizer que me assustam, porque não me assusto com nada, e em matéria de violência verbal sou capaz de entestar com qualquer um. Mas não creio que a “indignação cívica” baste para justificar não apenas as coisas que são ditas, mas o vocabulário rasteiro, brutal com que são ditas.

Por que o fazem? Chamo isso de carência retórica. Pessoas que precisam exteriorizar um sentimento muito intenso que brota numa região primitiva, pré-verbal. 

Tive um amigo que era o entusiasmo em pessoa, era um tipo como Maiakóvski (“sou coração dos pés à cabeça”). Chegava com um livro e dizia: “Esse livro é a coisa mais absolutamente genial e sensacionalmente maravilhosa que eu já vi em toda minha vida”. Dizia variantes disso, dez vezes por dia, com dez coisas diferentes. Eu dizia: “Rapaz, por que tu não inventa um elogio que prescinda de hipérboles?” (eu falava assim aos 18 anos).

Somente entusiasmos desse tipo, só que de repulsa, justificam expressões como as que a gente vê nas redes sociais, escritas por gente que sabemos educadas, por gente que sabemos terem bons sentimentos e bom caráter (coisas que têm apenas um pouco a ver com opções políticas), mas que parecem estar sempre de palavrão em riste para desferi-lo na direção de um político, um artista, uma pessoa que saiu no jornal devido a um acontecimento qualquer. 

Essa carência retórica mostra, acima de tudo, que o que o indivíduo diz passou por longe de sua consciência. Brota direto do lugar onde alguém lhe cravou os implantes mentais.





5 comentários:

Fernando Barroso disse...

Texto elegante, necessário é preciso. Parabéns!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Perfeito, Bráulio. Eu as vezes me pego super empolgado (excessivamente) e já fui até grosso em certos debates calorosos. Entendi finalmente que mesmo que eu tivesse motivo, deveria trabalhar melhor o meu controle emocional. Ele muitas vezes atrapalha e descredita o locutor, o mensageiro ou o debatedor. Estou melhorando, acredito. Quando puder passa no meu blog, ou facebook. Escrevo umas coisas sobre política, comportamento humano, regras comunitárias, valores, ética e umas coisitas mais. Pode comentar à vontade, gostando ou desgostando, elogiando ou metendo o pau. hehehehhe. Abraço.

Caio Girão disse...

Muito bom. Realmente é isso que acontece, as pessoas tornam-se tremendamente sisudas sem sabê-lo e, à medida que passa o tempo, a crueza amadurece por ter que haver concisão, não poder perder tempo. É, as pessoas estão desaprendendo ainda mais a língua - ler, escrever e falar.

walmir chaves disse...

O pior é que isso sucede nas redes sociais de todo o mundo. Na Espanha é impresionante...