sábado, 4 de abril de 2015

3780) Caminhos do insólito (5.4.2015)



Participei dias atrás do VI Encontro Nacional “O Insólito como Questão na Narrativa Ficcional”, realizado na Uerj (Rio de Janeiro), sob a coordenação do Prof. Flávio Garcia, numa mesa que contou com as presenças de Júlio França e Flávio Carneiro.  Os “encontros do insólito” na Uerj são um importante evento acadêmico de discussões sobre a literatura fantástica, tendo gerado inclusive uma série de livros reunindo as conferências e palestras dos participantes, num arco temático que inclui Murilo Rubião, literatura gótica, Mia Couto, realismo mágico, Borges, ficção científica e por aí vai. Juntamente com o Congresso de Literatura Fantástica (CLIF) organizado pelo Prof. André de Sena na UFPE (Recife), é um dos eventos acadêmicos mais importantes no estudo do que é variadamente chamado de “literatura não-mimética”, “literatura anti-científica”, “literatura meta-consensual”, “literatura da imaginação”... O Fantástico é como Tebas, a cidade das cem portas: qualquer uma lhe dá acesso.

O Fantástico tem mil facetas, porque são mil os pontos de vista que o examinam. O Fantástico (que em suas franjas se confunde com o estranho, o bizarro, o grotesco, o maravilhoso, o absurdo, etc.) é um curto-circuito na narrativa realista de ficção, uma fórmula que exerce um efeito tão poderoso sobre quem a cultiva. Nossa noção de realidade é construída pelas camadas sucessivas de narrativas que nos são impostas ou oferecidas ao longo da vida. Mesmo as narrativas que não aceitamos (as narrativas religiosas ou políticas de interpretação-do-mundo, p. ex.) exercem um certo poder sobre nós, produzem uma inflexão qualquer em nossa maneira de ver as coisas.

No caso da ficção, o Fantástico produz, na experiência da leitura, um choque de estranhamento, de paradoxo, de crise interpretativa. Ler uma história é crer nela pelo menos no nível palavra-a-palavra: “Certa manhã, depois de uma noite de sonhos inquietos...”  Vamos acreditando em tudo à medida que lemos, porque esse é o mecanismo inevitável da literatura, e nesse acreditar transpomos sem perceber um limite onde começam a suceder coisas que relutamos em aceitar.  O Fantástico não envolve apenas uma negação instintiva dos fatos narrados (“não, isso não pode acontecer na vida real!”), mas um retratar-se, uma negação da própria crença momentânea que tivemos no instante de leitura da frase. É a nossa própria voz interior, como leitores, que nos “diz” (porque está lendo e entendendo) o fato bizarro e insólito, o fato inacreditável.  É um debate entre o Eu que leu e por um segundo acreditou e o Eu que se ergueu, vigilante, e proibiu que ele acreditasse.



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