sexta-feira, 15 de agosto de 2014

3578) Robin Williams (15.8.2014)



Tem atores que são capazes de se concentrar num personagem real ou imaginário e recriá-lo com competência: o Hamlet de Laurence Olivier, o Hitler de Bruno Ganz, o Gandhi de Ben Kingsley, o Gonzaguinha de Júlio Andrade, o Aguirre ou o Fitzcarraldo de Klaus Kinski. Ele cria um personagem como quem ergue uma catedral, com tudo que isso envolve de planejamento a longo prazo e de improviso instantâneo, com tudo que isso implica de filigrana milimétrica e de megalomania estrutural.

Não era o caso de Robin Williams, e não porque ele não fosse um excelente imitador. Imitou competentemente desde Theodore Roosevelt até Oliver Sacks e o marinheiro Popeye.  É que Williams era mais capaz de reproduzir os tiques exteriores de alguém do que de se transformar naquele alguém, com memórias profundas e tudo o mais. As pessoas e os personagens não lhe despertavam tanto interesse assim, a ponto de fazê-lo dizer: “Passarei dois anos estudando e compondo esse personagem”. Não, acho que era mais aquela coisa do cômico de vaudeville, do rádio e do cinema mudo, que abre uma folha: “Qual é o próximo papel? Ah, pirata decadente. Já sei.”

Vi duas ou três entrevistas de Williams na TV e ele era aquele tipo não-entrevistável, porque ele nunca é ele mesmo, ele está sempre fazendo um personagem, e nunca é o mesmo personagem por mais de vinte segundos consecutivos, às vezes um pouco mais, quando a piada que está inventando se prolonga. Me lembra o que disse uma vez uma esposa de Peter Sellers: que era impossível conversar com ele, porque não havia “ele”, havia milhares de personagens que ele imitava quando precisava dizer alguma coisa. Eram mil máscaras sem um rosto por trás.

Williams sempre caminhou naquela linha difícil dos atores careteiros, a que também pertencem Jerry Lewis e Jim Carrey.  Sabem que estão sempre a um milímetro de resvalar no mau gosto, no patético, no cafona, no escatológico, mas é algo mais forte do que eles.  Fariam assim mesmo que a lei proibisse. Só sabem fazer se for assim.

Williams parece ter sido um desses caras que começou a inventar personagens-de-si-mesmo para se relacionar com os outros, e depois ficou dependente deles, porque não tinha uma voz central, um Eu principal que se responsabilizasse. Não faço idéia de como era conviver no dia-a-dia com alguém como ele ou Sellers, mas eu não gostaria, porque de um instante para outro ele seria capaz de desdizer ou desfazer tudo que tinha dito ou feito antes e dizer: “Tava brincando!”  Parecia não haver nenhum Robin Williams capaz de surgir entre as máscaras e dizer: “Rapaz, tou com um negócio sério pra te falar.”