domingo, 20 de abril de 2014

3478) Ladrão é gente (20.4.2014)



É tanto crime, tanto assalto, tanta violência feia campeando no mundo que as reações das pessoas pipocam por todo canto. Ninguém é tão veemente quanto um cidadão de bem quando vê seus direitos ameaçados.  Nas redes sociais, cada um traz sua receita de como lidar com o problema.  Um pede mais polícia no seu bairro, para que os ladrões vão todos para bairros mais distantes (e os bairros distantes que se danem, afinal ele não conhece ninguém lá). Outro exige educação gratuita e de boa qualidade para todos, o que é uma das melhores idéias da humanidade em todos os tempos, mas como não tem efeito retroativo deixa sem saída o camarada que está tendo os bolsos revirados sob a mira de um tresoitão.  Vem um terceiro e brada: “Vamos pra rua linchar!”, e de fato vai pra rua e lincha, e esta é uma solução tão eficaz que não tarda a surgir um outro grupo para linchar ele próprio, assim como os guilhotinadores franceses morreram todos na guilhotina.

Alguns dizem: “Que é isso... conversa com o ladrão... às vezes ele está ali por mero desespero... explica pra ele que aquilo não resolve...”.  Ouvi uma história de um cara que foi rendido por um ladrão: “Passa a grana!”  Ele meteu a mão no bolso, tirou todo o dinheiro que tinha, mas disse: “Vou te dar, mas isso não vai ser um roubo, eu quero salvar você desse caminho que não leva a nada, toma o dinheiro, é um presente!”.  O ladrão recebeu, desconcertado, e pra não perder a moral falou: “Tá OK, mas então me dá também o sapato.”

Não tem solução mágica, porque mesmo quando a solução serve para um ladrão, não serve pra outro.  Ladrão é gente.  Cada ladrão é um indivíduo, com uma história única e imprevisível, irredutível às estatísticas. A gente pode sair moendo números até concluir que 17,8% roubam porque fumam crack, 22, 1% porque estão desempregados, 7,4% porque são psicopatas... Mas na hora de encarar um indivíduo armado e ansioso, essa tabela serve pra quê? 

Pixinguinha foi assaltado uma vez, puxou conversa e acabou levando os ladrões pra beber num boteco. Sorte dele, porque se fosse o ladrão anterior ou o próximo ele podia ter acabado ali mesmo na calçada, coberto pela foto de um gol. Ladrão travado de crack mata sem saber que está matando. Psicopata mata e larga o dinheiro na calçada, pois não dá valor a dinheiro. Pai-de-família num momento de desespero acaba matando porque ficou com medo da reação da vítima.  Cada ladrão tem uma história; mesmo cruzando o eixo cartesiano de razões marxistas e freudianas, cada ladrão é tão gente quanto a gente, é tão único e imprevisível quanto a pessoa que está assaltando. Claro que nenhum cidadão-de-bem é obrigado a aceitar esta tese.