sábado, 22 de fevereiro de 2014

3429) O que não vou ver (22.2.2014)


Peguei um táxi em João Pessoa e fui conversando com o motorista. O celular tocou, ele cortou a ligação, e começamos a falar sobre a utilidade dos celulares. Daí a pouco estávamos imaginando como seriam os celulares do futuro. E nesse momento Zé Antonio, ou Zeca (como ele é mais conhecido) falou: “Quer saber de uma coisa?  Todo mundo tem saudade do tempo antigo, do que já passou.  Pois eu não.  Eu tenho saudade do que eu não vou ver.”  E eu entendi na hora, porque é exatamente isso que eu sinto às vezes: a nostalgia de saber que depois da minha morte o avanço da ciência vai continuar, novas descobertas e invenções vão surgir, coisas interessantes vão pipocar por todos os lados, diariamente, e eu não vou estar aqui para arregalar os olhos feito um menino e dizer: “Eita!”

A saudade é uma sensação de perda (como dizia Pinto do Monteiro – “saudade só é saudade quando morre a esperança”), e não é só o passado irrecuperável que a gente perde, é também o futuro inatingível. E ninguém pode nos proibir de chamar “saudade” a essa angústia pela perda de um futuro que, por definição, vai nos sobreviver. É uma saudade antecipada que brota em quem gosta da vida, quem acompanha as coisas do mundo – seja os campeonatos de futebol, os filmes que ganham o Oscar, as eleições, as conquistas espaciais, os novos livros, as novas músicas... Que infinidade de coisas boas eu não vou perder, somente porque não estarei mais aqui?

Numa coluna de anos atrás (aqui: http://bit.ly/1gAye5F) sobre o Tempo, propus uma definição pessoal: “O Passado é tudo aquilo que ocorreu antes do meu nascimento. O Presente é tudo que começou a ocorrer desde então. E o Futuro é tudo que irá ocorrer após o instante da minha morte.”  Nosso Tempo de vida é um presente contínuo (pois a única realidade que de fato experimentamos é o presente, o aqui-e-agora), inundado de referências do passado e de expectativas pelo futuro.  Quando temos saudade da infância temos saudade de um “passado presente”, pois somos capazes de lembrar dele agora. E quando pensamos no que vamos fazer no ano que vem, é um “futuro presente”, que já nos alegra com suas coisas boas ou já nos influencia com seus problemas.

Futuro mesmo é o que virá depois. Luís Buñuel, em seu livro de memórias Meu Último Suspiro, dizia que gostaria de, depois da morte, poder se levantar do túmulo de 10 em 10 anos, ir à banca, comprar o jornal, e voltar para o cemitério lendo e dando risadas das novas formas da estupidez humana.  O autor de O Fantasma da Liberdade também sentia essa saudade do que nunca chegaremos a ver, dos séculos infinitos cuja porta está para sempre trancada diante da nossa cara.