quarta-feira, 5 de novembro de 2014

3650) O café de Balzac (5.11.2014)


Ainda vou escrever um conto futurista sobre uma sociedade onde várias drogas são proibidas a-ferro-e-fogo pelo Estado, entre elas café e açúcar.  Não existe estimulante mais poderoso, não é verdade?  Vai que de uma hora para outra a gente acaba votando (por motivos totalmente outros) num Congresso Nacional cuja maioria é composta de pessoas para quem nada pode haver de mais terrível e imoral do que a absorção dessa infusão negra e tenebrosa (dirão eles), demoníaca (dirão seus teólogos), viciante (dirão seus médicos).



Vôte!  Ainda bem que vivemos numa democracia.  Posso todo dia encher minha caneca fumegante e sentar aqui folheando Balzac, um adicto famoso.  Em seu texto de 1838 “Tratado dos Estimulantes Modernos” (aqui, em francês: http://tinyurl.com/7acapw2) ele fala das cinco substâncias de excitação artificial: o álcool, o açúcar, o café, o chá e o tabaco.  É um texto que antecipa o texto famoso de Baudelaire, Os Paraísos Artificiais (1860), onde o poeta fala do vinho, do ópio e do haxixe. 



Balzac era um cafezeiro hardcore, e sugere variadas maneiras de preparar a beberagem (ele é um dos que consideram uma heresia você jogar água fervendo em cima do pó – a água deve estar apenas quente).  E depois de comparar várias maneiras de administração do café ele diz: “Por fim, descobri um método horrível e brutal que recomendo apenas a homens de excessivo vigor. (...)  É o uso de café pulverizado muito fino, concentrado, frio e com pouca água ou nenhuma, consumido de estômago vazio.”  Ele explica que nessas circunstâncias o café é total e rapidamente absorvido pelo estômago, e a consequência imediata é o aumento da atividade cerebral, que ele descreve com metáforas militares:



“Logo as idéias se põem em marcha, como esquadrões de um exército se espalhando no campo de batalha, e a guerra principia. As lembranças fazem sua carga, com os estandartes tremulando; a cavalaria das metáforas se apresenta com seu magnífico galope; a artilharia da lógica avança com um clangor de máquinas e de munições; a uma ordem da imaginação, os atiradores de elite fazem mira e disparam; formas e silhuetas e personagens ficam prontos; o papel se cobre de tinta, porque essa vigília se abre e se fecha com torrentes dessa água negra, tal como uma batalha se inaugura e se encerra com o negror da pólvora.”


Poder discutir abertamente as vantagens e as desvantagens do café, do chá, do açúcar, etc.  é uma conquista cultural que não devemos desprezar.  Acho que isso tudo faz um pouco de mal, principalmente o açúcar branco, mas acho que proibi-los iria aumentar, e não diminuir, o número de suas vítimas.


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