terça-feira, 2 de setembro de 2014

3593) "Grande Hotel Budapeste" (2.9.2014)



Wes Anderson usou as locações reais da cidade de Gorlitz (Alemanha) para realizar seu O Grande Hotel Budapeste (2014), em cartaz por aí. Mesmo assim, nas horas em que foi preciso, por exemplo, mostrar o abismo dos Alpes, o que entra na imagem é um painel pintado, tão antirrealista que parece uma página de livro infantil. Felizmente, este filme não pretende “passar uma sensação de realidade”.  Em termos de enredo e personagens achei-o menos denso e palpável do que Hugo Cabret de Scorsese (ambientado na mesma época) e mais coerente e focado do que o Dr. Parnassus de Terry Gilliam.  Este último é um ponto de referência interessante sobre Anderson. Há muito da imaginação visual torrencial de Gilliam. E algo daquelas suas histórias onde os personagens precisam cumprir uma missão, e escolhem o percurso mais cênico e movimentado, não necessariamente o mais rápido e mais discreto.

Não vi os outros filmes de Wes Anderson, então vou falar apenas deste. É uma dessas aventuras meio sofisticadas, com direção de arte primorosa, um roteiro vertiginoso e bem encaixado, para quem não for muito exigente. E sempre com um tom de comédia, aquela leveza que nos faz apenas lamentar com um oh a morte de um coadjuvante, e nada mais. Monsieur Gustave (Ralph Fiennes) é um gerente de hotel cheio de requintes e de recursos. Sua convivência com pessoas idosas de clãs multimilionários o envolve num caso de possível assassinato, desaparecimento de uma valiosa obra de arte, testamentos conflitantes, etc.  Melodrama puro, diluído naquela leveza de espírito de Amélie Poulain.

O universo é o que em literatura se convencionou chamar de “ruritânio”. A Ruritânia é um país europeu cheio de castelos, arquiduques, bosque, campos nevados. Sugerido em O Prisioneiro de Zenda (1894) de Anthony Fox, esse país imaginário tornou-se uma espécie de cenário de aluguel para histórias que não precisem da tecnologia de comunicação de hoje. Tecnologias com algo de moderno e algo de antiquado, ultimamente meio adotado pelos steampunk, onde convivem a espada e o revólver, o telefone e o cavalo.

Existe um charme na Europa entre 1870 e 1930, e as histórias ruritânias (mesmo quando a nação fictícia se chama “Zubrowka”, como neste filme) recuperam um pouco desse passado em que podemos fantasiar sem remorsos a vida dos muito ricos, suas estações de banho, seus hotéis de luxo, seus expressos do Oriente. A Europa de cem anos atrás nos parece tão charmosa, tão fotogênica. Comédias leves como esta nos fazem esquecer que ela está cheia de aposentos não abertos há anos, com coisas indescritas jazendo nas camas.


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