sábado, 5 de abril de 2014

3465) O tamanho do livro (5.4.2014)



No dia 1º. de abril, entre outras brincadeiras na imprensa, disseram que um grupo de editoras portuguesas, incluindo o grupo LeYa, tinha estabelecido o número máximo de 200 páginas para qualquer livro apresentado por seus autores. A brincadeira tinha uma certa aparência de verdade. Logo ergueu-se o clamor nas redes sociais. “Ditadura!”, bradaram alguns. “Pressão corporativa sobre a criatividade individual!”, disseram outros. E por aí foi.

Pois olhe... fazendo as devidas ressalvas, principalmente a questão da obrigatoriedade (sou contra obrigatoriedades e proibições) eu acho que não seria uma má idéia.  Dificilmente vejo um livro de 400 páginas que não pudesse, com proveito, ser reduzido para 200.  Quando se trata de livro de estreante, então...  Escrever é fácil, ao contrário do que muita gente pensa. A maioria das pessoas não tem facilidade para escrever, mas as que de fato a têm costumam abusar dela. Escrever, pra certos tipos de temperamento, é fácil. Difícil é reler, revisar, cortar excessos.  A maioria dos livros de autores estreantes não peca por dizer pouco, peca por dizer alongadamente, repetidamente, redundantemente, o que poderia ter sido dito de maneira mais compacta e proveitosa (e mais literariamente eficaz) em metade daquela extensão.

O autor estreante parece um pouco com aquelas pessoas que narram qualquer fato com verdadeiras orgias de detalhes. Nossa amiga chega meia hora atrasada para o chope com a turma. O que aconteceu? “Precisei dar uma carona a minha prima e fiquei presa num engarrafamento, pois houve uma batida na esquina do prédio onde ela mora.”  Pronto – já está tudo explicado em duas linhas. Mas tem gente que narra assim: “Olha, eu vinha direto pra cá, mas aí minha prima me pediu uma carona, sabe aquela minha prima, Mércia, uma baixinha que trabalha no Banco? Ela tinha ido lá em casa falar com minha mãe sobre umas poltronas que ela herdou e que mamãe pediu para comprar, então ela foi lá em casa hoje e acabou ficando pra jantar, até porque ela mora sozinha e adora a sopa que mamãe faz. Mas quando eu peguei na chave do carro pra sair ela me disse: Ah, você está indo onde? E eu falei: Tou indo ali no boteco, encontrar uma turma de amigos. E ela: Dava pra você me dar uma carona até em casa? E eu: Tudo bem. Aí ela e mamãe foram terminar os cálculos de quanto custariam as poltronas, porque é um modelo antigo que é difícil de encontrar...”

Sosseguem; fico por aqui. Notem que as duas ainda nem entraram no carro, mas um parágrafo substancial de texto já foi consumido com uma explicação totalmente desnecessária. Tem gente que é assim.  Livros de 400 páginas são escritos assim.


3 comentários:

Renata Lins disse...

Eu ia comentar de um professor meu que dava número máximo de linhas por resposta em prova e tirava ponto se escrevessem mais.

Mas aí cê foi contar a história da prima Mércia. Minha mãe. Exatinho minha mãe contando qualquer coisa. Eu espero ela tomar fôlego (no telefone) e digo "mãe, agora vamos ao assunto direto..." mas aí ela acha muito sem graça. Filha mais sem imaginação que ela tem.

Daniel Monteiro disse...

Faço das suas palavras as minhas, Braulio. Participo de alguns fóruns e grupos do facebook dedicados ao debate entre autores iniciantes, e esse é um problema que vejo constantemente.
O exemplo dado por você até que não me incomodaria tanto, pois, por se tratar de uma construção de diálogo, pode até convencer o leitor como uma enrolação corriqueira normal em conversas. Mas o que me deixa decepcionado é quando as longas passagens se dão pela voz do narrador, especialmente quando surgem para explicar algo que ele mesmo já dissera na frase anterior. Não só fica enfadonho como chama o leitor de burro.

José Geraldo Gouvea disse...

Eu não sou contra livros grandes, mas a maior parte dos livros grandes não merece o tamanho que tem.

Eu acho importante até esse movimento, para tirar da cabeça do jovem o fetiche do "livro" (usado como sinônimo de "romance"). Hoje todo mundo já quer começar escrevendo romance, ou até trilogia. Ou pentalogia.

Aquela história de começar pequeno, ir praticando, até conseguir dominar a escrita e chegar nos gêneros mais longos, isso é "perda de tempo". Todo mundo já quer publicar "O Senhor dos Anéis -- versão extendida" antes de fazer vinte anos.

Claro que quase ninguém consegue, mas no meio do caminho são produzidas muitas obras de qualidade duvidosa e tamanho paquidérmico.

Eu sou a favor do limite.

O autor tem que conquistar o direito de escrever mais do que esse limite.