domingo, 2 de março de 2014

3436) Escrita acadêmica (2.3.2014)




Critico às vezes o jargão acadêmico nesta coluna, não por preconceito contra a academia, mas por impaciência com o jargão.  E não por me julgar acima dele, mas por ter que combatê-lo em cada frase que escrevo, já que ele não passa de um atalho para dizer coisas complexas.

Dias atrás, no artigo “Autores meticulosos”, produzi esta pérola, falando de Robert Silverberg: 

“A autoconsciência do autor que recebe o upgrade de uma pulp fiction para uma New Wave paga o preço de uma teorização filosófica para cada frase”. 

Upgrade é jargão da informática, significa passar para um estágio mais avançado de alguma coisa. 

Pulp fiction significa (no contexto da frase) um tipo de ficção escrita “ao correr da pena”, sem muita reflexão a não ser a de saber para onde a história está indo. 

New Wave é um movimento da ficção científica dos anos 1960, mais consciente das técnicas literárias, dos movimentos de vanguarda, dos conceitos teóricos. 

A frase poderia ser reformulada assim: 

“Quando um escritor adquire uma consciência mais apurada da técnica literária, ele evolui de uma ficção aparentemente espontânea, livre, lúdica, para um estágio mais complexo e mais exigente, e o preço que paga por esse aperfeiçoamento é precisar explicar a si mesmo, em cada frase, por que motivo a frase tem que ter aquela forma”.  

Bem melhor, não é mesmo?

Um artigo de Joshua Rothman em The New Yorker (http://nyr.kr/1jVgVQd) equaciona bem essa oposição entre linguagem jornalística (simples) e linguagem acadêmica (ininteligível). O mercado jornalístico está se expandindo, inclusive eletronicamente, e precisa de pessoas capazes de dizer coisas substanciais com relativa clareza. Por outro lado, o mercado acadêmico se contrai. “Para construir uma carreira acadêmica bem sucedida,” diz ele, “é preciso impressionar grupos minúsculos de pessoas: colegas de departamento, editores de livros e de periódicos, comitês acadêmicos.”  

Rothman afirma que o jornalista precisa ser simpático, porque está escrevendo para estranhos; o acadêmico, contudo, escreve para uma comunidade que, em tese, compartilha suas informações e seu vocabulário. Não precisa explicar seu jargão a ninguém. E, como se presume que a atitude a ser mantida tem que ser científica, “a prosa acadêmica é, idealmente, algo impessoal, escrita por uma mente neutra para outras mentes neutras.” 

Uma escrita quase criptografada, para ser lida por quem domina igualmente a chave desse código. Não é bem o elitismo dos que se julgam superiores; deve ser a impaciência de quem não pode ficar reexplicando e redefinindo tudo cada vez que uma pessoa de fora entra na conversa.



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