quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

3360) Garrafa ao mar (4.12.2013)




Era um Mago conjurador dos mistérios do Oculto, capaz de refletir no mundo dos homens a luz do Sagrado. 

Não era todo-poderoso, no entanto; quando sua magia não cumpriu a contento as ordens de um Rei, foi exilado numa ilha deserta, que em seguida foi fechada com um selo mágico. Ali, ele tinha água, frutas, animais para caçar; mas jamais poderia fugir sem ajuda. 

Um dia, caminhando ao longo da praia para calcular a extensão da ilha, o Mago encontrou os destroços de um navio naufragado, onde havia baús com centenas de garrafas. Ele, que não bebia, teve uma idéia.

Passou a esvaziar e lavar as garrafas; e dentro de cada uma dela (por falta de material de escrita) arrolhou um pequeno “djinn”, materializado por suas forças. Um pequeno gênio rudimentar que conseguia apenas pedir socorro. E passou a jogar as garrafas ao mar. 

No começo, os djinns eram criaturinhas frágeis, meros girinos de gênios, que, uma vez aberta a garrafa pulavam para fora e choravam, apontando na direção da ilha. Com o tempo, ele os foi aperfeiçoando. Fez medições astronômicas, e as garrafas que jogava às ondas levavam dentro de si figurinhas humanas que diziam a latitude e a longitude aproximada da ilha onde estava preso.

O que pensava conseguir? As garrafas eram muitas, mas o mar é imenso. Era possível que alguém as achasse? Que as abrisse, e que se pusesse ao mar para ver de onde vinham? Quem abre uma garrafa achada nas ondas sabe que ela contém algo precioso, um último gesto desesperado de quem foi exilado do mundo.

Logo o Mago estava tão entretido com a criação de gênios, cada vez mais complexos e mais fortes, que sua própria salvação passou a ter importância secundária. Criou gênios que inventavam canções quando eram libertados. Criou gênios falastrões, que contavam mentiras, e no meio das mentiras a história verdadeira do Mago e o local da ilha. 

Gênios generosos, que concediam treze desejos ao seu libertador e esqueciam de pedir socorro para o Mago. 

Gênios malévolos que subjugavam, torturavam e matavam seu salvador. 

Gênios filósofos capazes de seduzir com sua oratória multidões inteiras.

Os anos se passaram e o Mago ia sentindo o mundo cada vez mais longe, cada vez menor. A vontade de ir embora dali foi sumindo. Cada garrafa que ele jogava ao mar e via se afastar boiando era uma pequena vitória para ele, era como se ele próprio se libertasse de novo a cada vez. 

Cada dia, de acordo com seu humor, com o clima, com a inclinação do momento, ele criava e jogava ao mar um novo gênio para dar trabalho ao mundo, gênios capazes de ressuscitar pequenos animais, capazes de escrever poemas, de provocar tsunamis, capazes de partir um coração.