domingo, 3 de novembro de 2013

3334) "Inferno de Wall Street" (3.11.2013)





Um dos poetas mais fora-de-esquadro da literatura brasileira foi o maranhense Sousândrade (1832-1902), obscuro apesar de ser uma pessoa de relativo destaque em vida, tendo sido presidente da intendência municipal em São Luís e candidato a senador; foi também o criador da bandeira do seu Estado. Além disso, sendo filho de um fazendeiro rico, teve uma formação cosmopolita, pois estudou em Paris (na Sorbonne) e depois viveu nos Estados Unidos, de 1871 a 1885.

Durante muitos anos ninguém encontrou um lugar para ele na poesia brasileira, tendo sido classificado como Condoreiro, Simbolista, Pré-Modernista. Coube aos irmãos Augusto e Haroldo de Campos fazer uma redescoberta e revisão de sua obra, destacando, como sempre faziam, os aspectos que indicavam afinidade com os princípios do Concretismo. Seus livros mais importantes são O Guesa Errante (1871-77), Harpas Selvagens (1857), O Novo Éden (1893).

Saiu agora em João Pessoa (Editora Idéia, 2013 – www.ideiaeditora.com.br) uma edição bilingue de “O Inferno de Wall Street”, um dos mais curiosos fragmentos de O Guesa Errante, poema que foi publicado aos poucos durante a vida do autor. O “Inferno” tem uma complicada história bibliográfica. A versão deste livro, organizado por Carlos Alberto Azevedo, traz as 176 estrofes deste fragmento, acompanhadas de sua tradução para o alemão, feita por Helga Rieck e Marli Woll-Tienes.

Não posso opinar sobre a tradução, sem saber a língua; a única certeza que tenho é que deve ter sido um trabalho mais difícil do que tanger uma corda de caranguejos. Os versos do “Inferno” são estrofes pequenas, de linguagem extremamente concentrada, com palavras em português, inglês, italiano, francês e outras línguas, repletas de nomes próprios e de referências culturais da época (anos 1870) que as tradutoras referenciam em 294 notas, que infelizmente só vêm em alemão. (Talvez pelo fato de se terem baseado nas notas dos irmãos Campos em seu Re/Visão de Sousândrade, Nova Fronteira, 1982, portanto disponíveis em português).

Pretendo voltar ao assunto do poema em si, que requer mais espaço, mas fica o registro desse trabalho bilingue muito importante para conhecimento de nossa poesia, dentro e fora do Brasil. (Alguns críticos brasileiros são tão eruditos que talvez entendam melhor a versão em alemão.) Aliás, as duas tradutoras já verteram para a língua de Brecht os poemas de Augusto dos Anjos, o que também não é propriamente um passatempo de fim de semana. Sousândrade, guesa-errante, cavaleiro-nauta, estrangeiro-universal, talvez nunca seja totalmente brasileiro, mas nunca é demais levar a outros públicos sua misteriosa poesia.