sexta-feira, 1 de novembro de 2013

3332) "The Golden" (1.11.2013)




Não sou um grande leitor de histórias de vampiros e o grande romance de vampiros, para mim, sempre foi e continua a ser o Drácula de Bram Stoker (1897). Existem outros, por certo; mas agora tenho a certeza de que numa prateleira dos melhores deve existir espaço para The Golden (1993) de Lucius Shepard, que acabei de ler. Shepard é um autor que nunca me decepciona, embora dele eu só conhecesse contos, alguns deles memoráveis: “A Spanish Lesson” (1985; pessoas em férias numa praia da Espanha descobrem um portal para um mundo de pesadelo), “Bound for Glory” (1988; um trem fantasmagórico viajando pelo interior); “Only partly here” (2003; um operário no Ground Zero encontra fantasmas de vítimas das Torres Gêmeas); “Nomans Land” (1988; um náufrago numa ilha é envenenado por aranhas alucinógenas). Este último eu traduzi para a edição brasileira da Isaac Asimov Magazine.

The Golden transcorre durante cerca de três dias e noites alucinantes, por volta de 1860, num castelo da Europa, durante o encontro d’A Família, a dinastia de vampiros que domina o continente. A Família tem ramificações rivais e fervilha em política. O objetivo desse encontro é apresentar “the golden”, uma jovem cujo sangue foi purificado e cultivado durante gerações, para ser saboreado por uns poucos felizardos (o sangue é descrito no livro em termos muito próximos dos usados pelos enólogos para falar de vinhos). Na primeira noite, a “golden” é assassinada, e o protagonista, Michel Beheim, um vampiro que foi chefe de polícia em Paris, é encarregado da investigação.

É um romance de detetive, um romance de intrigas palacianas (porque os vampiros são todos aristocratas, sofisticados, ambiciosos, cruéis, “traíras”) e uma história de terror sobrenatural que extrai muito do seu impacto na descrição do Castelo Banat, uma construção gigantesca com quilômetros de altura e de extensão, e uma arquitetura interna que lembra os espaços fantásticos de Escher e Piranesi, além de castelos literários famosos como o Gormenghast (1946-59) de Mervyn Peake. A prosa de Shepard é consistentemente brilhante, rebuscada, exótica, colando-se ao tema e ao ambiente como uma pele. Seus personagens são sempre problemáticos, com caráter oscilante, sujeitos a vilezas e a decisões erradas, e sempre pagando caro o preço de seus vacilos. Shepard é um dos melhores autores da Fantasia Tenebrosa (“dark fantasy”) norte-americana; tem um universo moral próprio onde não faz muita diferença se o gênero é FC, terror ou fantasia. É um mundo sombrio, violento, de imaginação desmedida e insólita, que se torna mais real pelo vigor da sua prosa e pela crueza dos seus sentimentos.