sábado, 28 de setembro de 2013

3303) "The Act of Killing" (28.9.2013)




Por volta de 2005, o cineasta Joshua Oppenheimer viajou para a Indonésia pensando em documentar os crimes de guerra cometidos pelo regime que, em 1965, tomou o poder e promoveu um verdadeiro genocídio em seus inimigos políticos, principalmente comunistas e chineses. A certa altura, começou a entrevistar os carrascos propriamente ditos e se espantou ao ver como eles não apenas não negavam os massacres cometidos, mas se orgulhavam deles (“mostram que somos ferozes, e isso amedronta nossos inimigos”) e faziam questão de contá-los em detalhe.

Oppenheimer chamou o principal deles, Anwar Congo, um negro de seus 70 anos, e lhe pediu que co-dirigisse o filme, recriando as cenas das execuções. O que se segue é uma experiência–limite de cinema documentário. Anwar convoca ex-colegas e amigos para fazer o papel de torturadores e de torturados; mostra como matou mais de mil pessoas estrangulando-as com arame (“porque o sangue sujava nossas calças”); e produz, para deleite próprio e louvor de sua pessoa, números musicais de uma natureza espantosamente “kitsch”, uma mistura entre o cinema “naïf” e os espetáculos indianos de Bollywood.

O filme The Act of Killing (lançado em 2012) nos propõe uma situação quase surreal, porque o diretor adquire a confiança do entrevistado e o leva a pagar um mico de proporções globais, bem como confessar crimes que poderiam levá-lo ao Tribunal de Haia. Mas Anwar vê o filme na versão pronta, mostra-a aos amigos e à família, e diz estar orgulhoso do que fez. Outro torturador diz para a câmara que não tem medo das cortes internacionais: “Quem define o que é crime de guerra são os vencedores, e nós vencemos”. Eles se orgulham da impunidade, num regime baseado na corrupção, na intimidação em troca de dinheiro, e na existência de milícias violentas que têm Anwar Congo como um dos seus ídolos.

Neste link (http://bit.ly/15S0RqH), o co-produtor Werner Herzog diz que o filme é uma das mais radicais experiências em documentário que ele já assistiu; e esta matéria (http://bit.ly/13pW54k) no Guardian também traz pequenos trechos do filme, que aliás será lançado no Brasil em breve, no Festival de Cinema do Rio. The Act of Killing não é apenas a denúncia da violência, mas mostra a maneira como a “sensação de estar trabalhando num filme” transpõe certos entrevistados para um estado alterado de consciência em que ele passa a representar-a-si-mesmo para a câmera, com resultados imprevisíveis. Todo curso ou oficina de documentário deveria discutir este filme em sala de aula. Além de ser um mergulho na violência humana, é outro mergulho na nossa sede do simbólico e da representação.