quinta-feira, 29 de agosto de 2013

3277) "Phantom Lady" (29.8.2013)




Em algumas histórias de mistério, a grande questão é: Quem matou o milionário? Em outras, a questão é menor, mais modesta e mais grave: Qual o sentido da existência humana?  Um grande ponto de partida para um mistério é quando alguém tem sua vida virada de pernas para o ar, e não consegue convencer ninguém da sua inocência. Um mistério do tipo: “E se um dia algo me acontecesse, e todos os testemunhos em volta dissessem que aquilo não tinha acontecido?” Essa situação básica pode inspirar milhares de variantes. O turista que perde tudo num piscar de olhos em terra perigosa e estranha, p. ex.

Uma variante dessa situação é A Mensagem Misteriosa, ou O Cartão Misterioso. Uma pessoa recebe um cartão em língua desconhecida, e, sempre que pergunta a alguém o que tem ali, tudo que consegue é provocar escândalo, fúria, repulsa... ser vítima de preconceitos, fobias e perseguições... e ninguém lhe explica o que há escrito ali.

Outra variante é O Álibi Fantasma. O Álibi Fantasma consiste na história em que um indivíduo qualquer, para livrar-se de uma acusação, precisa comprovar coisas banais: quem é, o que faz, o que fez, o que lhe ocorreu de anormal. Parece simples... até o dia em que ele precisa de livrar da acusação de um crime e descobre horrorizado que ninguém confirma seu álibi, por variadas razões.

A Dama Fantasma (Phantom Lady, 1942), de William Irish, é um romance onde Scott Henderson, após uma briga com a esposa, sai à noite com uma desconhecida que encontra no bar, leva-a ao restaurante, depois a um show, despede-se sem perguntar seu nome ou seu endereço ... E descobre que alguém matou sua esposa durante a noite, e que seu álibi depende do testemunho dessa mulher, que ele não sabe quem é nem como localizar. 

Tudo é assim. A Dama Fantasma de William Irish (na verdade um pseudônimo de Cornell Woolrich, o autor da história original de Janela Indiscreta de Hitchcock ou A Sereia do Mississipi,  de Truffaut) é uma história clássica de “Ninguém Acredita Em Mim”. Toda a obra de Woolrich/Irish é cheia de armadilhas, identidades suprimidas do dia para a noite, corridas contra o relógio... São pesadelos kafkeanos numa Nova York do pós-guerra, com um senso de clima “noir” inigualável. Seus argumentos parecem aquelas histórias de Philip K. Dick em que o sujeito acorda de manhã e descobre que não existe.

Phantom Lady (filmado por Robert Siodmak em 1944) tem o melodrama sentimental típico de Woolrich, seus heróis quixotescos, seus lances mirabolantes, seu abuso das coincidências, mas esses romances têm um tal clima alucinatório, de pesadelo cósmico, que é mais fácil compará-los a um sonho do que a um livro.