domingo, 21 de julho de 2013

3244) Lima Barreto (21.7.2013)




Há um movimento nas redes sociais, lançado por Josélia Aguiar, Álvaro Costa e Silva (“Marechal”) e André Vallias, e divulgado pela tradutora Denise Bottmann (do blog “Não gosto de plágio”) para que a Festa Literária de Paraty (Flip) de 2014 homenageie a obra de Lima Barreto. Há outros possíveis homenageados, como Rubem Braga. Essas homenagens causam sempre um momento de hesitação e remorso, porque de um modo geral todos os sugeridos merecem, e a gente, mesmo celebrando o escolhido, fica com pena dos descartados. Em todo caso, Lima Barreto é uma escolha justa, e mesmo que não se confirme vou aproveitar para conhecer melhor sua obra, da qual já li vários contos e artigos, mas nenhum romance. (Pois é, galera, não tenho problema em revelar o que não sei. O pouco que sei já me garante.)

Lima Barreto (1881-1922) teve que batalhar contra muitos preconceitos. Primeiro, o da cor, que o fez compartilhar o destino de Cruz e Sousa, Machado de Assis (em parte) e outros autores negros ou mestiços de cem anos atrás, num Brasil branco que cerrava fileiras em torno de sua brancura como um time que está ganhando o jogo de 1x0 mas sente no adversário cada vez mais volume de jogo.

Outro preconceito foi devido à bebida e à loucura, um karma permanente do destino literário. Já frequentei o prédio da UFRJ na Praia Vermelha, no Rio, inclusive para fazer palestras, e sempre alguém comenta que foi ali que Lima Barreto ficou durante suas internações psiquiátricas. Algo parecido me ocorreu quando visitei há 30 anos o antigo presídio da Ilha Grande, e lembrei de Graciliano Ramos e suas memórias do cárcere. Alguns dos grandes escritores brasileiros do futuro talvez sejam pessoas de que nem eu nem vocês jamais ouvimos falar, pessoas que talvez estejam hoje numa cadeia, ou numa clínica de desintoxicação. Quem pode garantir?

Um traço notável de Lima como escritor é a clareza e a precisão de sua prosa, sem nada daquele maneirismo dos beletristas do seu tempo. Lima era direto, coloquial, usava um português sem paletó nem gravata, e isso era muitas vezes alegado como falta de cultura. Já comentei aqui nesta coluna o livro que contrapõe artigos de Lima Barreto e de Coelho Neto sobre futebol (O Fla-Flu literário, de Mauro Rosso, http://bit.ly/13yAvnj). É espantosa a atualidade da linguagem de Lima, comparada à do autor de “Sertão” – que aliás admiro, é um dos autores queridos da minha juventude. Sua prosa ornamental e pomposa envelheceu; a de Lima parece escrita dez anos atrás, ou mesmo este ano. Mas foi escrita naquele Brasil da República Velha, engessado, costurado por privilégios raciais e feudos políticos.