quinta-feira, 18 de julho de 2013

3242) Mídia Ninja (19.7.2013)




Quinze anos atrás, o escritor de FC David Brin publicou um livro intitulado The Transparent Society (1998), em que discutia as consequências da rápida evolução das tecnologias de vigilância eletrônica. O livro desenvolvia um artigo homônimo de 1996 na revista Wired (http://bit.ly/3bGnct) e surgia num contexto em que a imprensa debatia com fervor o medo de estarmos penetrando num mundo totalmente Big Brother, um mundo de vigilância eletrônica permanente do Estado sobre os cidadãos.  Um mundo em que seria possível ao Estado, à polícia, até mesmo às forças de segurança de outra nação (vide a recente denúncia de espionagem norte-americana no Brasil) fiscalizar nossa vida pessoal, ter acesso à nossa vida financeira, rastrear nossos passos.

Brin contra-atacava esse medo dizendo: E se o feitiço virar contra o feiticeiro? E se esses mesmos instrumentos também permitirem ao cidadão vigiar o Estado? E se essas câmerazinhas não estiverem apenas nas mãos da polícia e dos espiões, mas nas mãos de cidadãos que poderão registrar as atividades do aparelho repressor do Estado, ou de quaisquer grupos organizados que os prejudiquem? E se qualquer cidadão puder ter acesso ao que qualquer câmara da cidade está filmando em cada momento? E se a prisão de um cidadão na rua estiver sendo observada por pessoas capazes de testemunhar qualquer arbitrariedade policial, pois o acesso a essas imagens não é privilégio de ninguém?

As recentes manifestações de rua no Brasil têm sido cobertas por manifestantes jovens com minicâmeras transmitindo ao vivo; grupos como Mídia Ninja (“Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”) e Olho da Rua. Noite e madrugada adentro, da minha casa, acompanho tudo que acontece acessando http://twitcasting.tv/ninja2rj/.  A imagem e o som não são 100%, a conexão cai de vez em quando... mas, amigos, esta é a fase irmãos-lumière de uma sociedade transparente como a sugerida por David Brin há 15 anos.

Dizia ele: “A chegada desses implementos em nossas cidades não pode ser retardada. Ricos, poderosos e as figuras de autoridade os terão, seja legalmente ou clandestinamente. As imitações vão se propagar, e vão se tornar menores, mais rápidas, mais baratas e mais inteligentes a cada ano que passe.” Quem vigia os vigilantes? – perguntava Alan Moore em Watchmen. Se nossa sociedade tende a uma perda geral de privacidade, a única maneira de tornar isto uma coisa positiva é estender esse fenômeno aos governos, às autoridades, aos aparelhos de repressão. Eles também estarão sendo vigiados, observados por milhares de pequenas câmaras.  Um Governo não pode exigir para si a privacidade que nega aos seus cidadãos.


3241) O tempo presente (18.7.2013)




(Flip 2013: Noemi Jaffe, Ferrari, Galera)

Numa palestra da Flip 2013, mediada por Noemi Jaffe, Daniel Galera e Jerôme Ferrari falaram, entre muitas outras coisas, da relação de seus personagens com o tempo. O livro de Galera, Barba ensopada de sangue (2012), fala de um rapaz que vai morar num balneário e aproveita para pesquisar a vida de seu avô, sobre o qual sabe pouca coisa. O de Jerôme, Sermão sobre a queda de Roma (2012)  fala de dois amigos que se afastam de Paris e montam um bar na Córsega, onde pretendem viver mais ou menos ao abrigo de grandes agitações e grandes mudanças.

Galera comentou a certa altura o quanto é difícil viver no presente. Na maior parte do tempo estamos preocupados com o futuro ou então estamos remexendo na memória, no passado. Jerôme observou que o projeto do bar na Córsega serve para seus personagens como a tentativa de produzir um futuro que seja a infindável repetição do presente. Uma tentativa de congelar o tempo.

O presente é feito de partes iguais de passado e futuro. É um entrelaçamento de memória e vontade, a memória checando o que ficou para trás e a vontade nos obrigando a avaliar o tempo inteiro o que nos pode suceder mais à frente.

O romance moderno superou a antiga construção cronológica tipo passado-presente-futuro, onde os fatos pareciam seguir uma sucessão numérica. No romance atual, os tempos estão todos superpostos, mesmo quando há um fio de enredo nos tranquilizando com a sugestão de uma estrutura tipo começo-meio-fim. Um romance como Os Detetives Selvagens (1998) de Roberto Bolaño avança a passos trôpegos, porque a cada página as informações sobre o passado se multiplicam; na verdade, é rumo ao passado que avançam as investigações sobre os dois poetas que são os personagens principais.

A incapacidade de viver no presente, observada por Daniel Galera, é aparentemente anulada nos romances narrados no presente do indicativo. Essa narrativa aqui-e-agora, que lembra a imediaticidade de um filme ou de um videogame, procura chamar a atenção para esse espaço instável onde memória e vontade travam um cabo-de-guerra incessante. Viver num “eterno presente” exprime o desejo de cancelar a morte mas por outro lado impede de ajustar contas com o tempo. O presente é feito de passado e futuro assim como o café-com-leite é feito de leite e café. A cada momento mudam as proporções de cada um, mas estão sempre ali, são a substância mental da nossa experiência. O romance de hoje percebe isso e busca a expressão desse tempo híbrido em que cada trecho do presente parece estar se estendendo rumo às duas outras direções, como uma corda de violão que só vibra no centro porque está presa nas duas extremidades.