sábado, 20 de abril de 2013

3166) Os Davis e os Golias (21.4.2013)




(Clayton Christensen)


Li mais duas matérias, num curto intervalo, dizendo sempre a mesma coisa. As megaempresas estão entrando num atoleiro preparado por elas mesmas, por seus métodos “certinhos” de buscar maxieficiência; e no espaço de seu desmoronamento surgem empresas pequenas, rápidas, que (ao contrário delas) correm riscos, fazem apostas, e se contentam com lucros menores mas certos.

A Wired de março traz uma entrevista (http://bit.ly/X3bbHe) com Clayton Christensen, autor de The Innovator’s Dilemma (1997) e The Innovator’s Solution (2003), onde argumenta que as grandes empresas preocupam-se demais com “fazer tudo de acordo com o manual” e isto lhe tira a flexibilidade de intuir o futuro e adaptar-se a ele. São dependentes do que já têm, e do que já sabem e podem fazer. E são vulneráveis ao que ele chama “inovações disruptivas” – invenções ou processos criados por companhias menores, menos lucrativas, mais ágeis, mais aflitas, precisando arriscar tudo numa cartada. Quando a cartada dá certo, a pequena companhia se agiganta e as gigantes desmoronam. Christensen apontou isso no mercado de disk-drives, de injeção eletrônica de carros, de cerâmica.

Christensen foi chamado pelo CEO da Intel, Andy Grove, e disse-lhe: “Não tenho uma opinião sobre a Intel, mas minha teoria tem”. Alertado, Grove comprou duas companhias pequenas (Cyrix e AMD) e produziu o processador Celeron. Christensen vê algumas área onde, agora, os Golias estão sendo engolidos pelos Davis: jornalismo, mercado editorial, tudo (segundo ele) “que depende de publicidade”, e a educação de alto nível. Jornalismo e educação estão começando a enfrentar concorrência via Web. A concorrência é heterogênea, difusa, mas de vez em quando surge um foco de alta qualidade. Ele cita um curso online de contabilidade da Brigham Young University que ajudou a fechar o curso de contabilidade de Harvard.

Algo parecido diz Bill Harris em seu blog Dubious Quality (http://bit.ly/XHZcBL), comparando o mercado de videogames com o de petróleo. As grandes companhias cresceram tanto que cada passo que dão custa fortunas. Só podem apostar no que é 100% certo (o que é raro aparecer). Resolvem comprar pequenas companhias de filão lucrativo, mas o leilão com os concorrentes é pesado. O lucro delas se torna um prejuízo: o preço não compensa.

Quanto mais exemplos chegarem mais nítida irá ficando essa tendência das atividades de alta previsibilidade, que já dominaram o mundo, serem suplantadas pela de alta incerteza. As disciplinas da certeza, da comprovação absoluta, dos vários níveis de redundância retroalimentada, darão lugar às que abraçam o acaso, o risco, o improviso e a imperfeição.



3165) O Samurai sem Sono (20.4.2013)



(by Gabriel Tavares)


Sua lâmina era capaz de passar pela asa de um beija-flor em pleno voo sem tocá-la.  Seus olhos eram capazes de dizer quantos grãos havia num punhado de sal. A chuva o fustigava sem enfraquecê-lo, o sol do deserto colidia com ele e recuava. Ao longo das Sete Ilhas, e das encostas do Monte Kuju até a baía de Wakaba, até as crianças reconheciam ao longe seu vulto magro e hirsuto, mas eram poucos os que sabiam o som da sua voz. Caminhava devagar como alguém que reduz o passo ao se aproximar do lugar para onde se dirige. Dizia-se dele que seus olhos brilhavam no escuro; que era capaz de passar um ano sem comer; que comandava as mulheres e os animais com o pensamento.

Uma crônica da Casa de Kenji relata um episódio provavelmente veraz de seu passado: que teria sido o causador (por arrogância e um erro de cálculo) da morte de alguém de sua família. Desde esse dia, jurou viver como um misto de mendigo e monge. Lutou por seis anos para o clã dos Hashikaya e aceitava como pagamento apenas um pão por dia. Data dessa época a lenda de que jamais dormia.  Pode ser um exagero causado pelo seu hábito de a qualquer hora do dia ou da noite estar em campo aberto, de espada em punho, treinando combinações complexas de aparas e de estocadas, ou postado imóvel sob uma árvore, aguardando a queda de alguma folha seca para seccioná-la no ar. “Ele não dorme”, diziam os guerreiros, e os velhos murmuravam (e as mulheres e crianças repetiam): “Quem não dorme é porque não morre”.

As crônicas do período Edo registram fatos como a batalha de Kan-Chi, em que ele sozinho bloqueou um exército no meio de uma ponte por uma manhã inteira, até a chegada de reforços.  Contam como ele travou duelos pessoais, em dias sucessivos, contra oito espadachins do clã Hinoruke, abatendo-os um a um; como, sem escudo no campo de batalha, sua espada veloz rebatia as flechas disparadas contra seu corpo. Durante os combates, não rugia nem blasfemava como a maioria dos soldados; executava seus gestos com a energia vibrante de quem dança, e com o olhar meio ausente de quem confere uma conta.

Sua morte, como sua vida, está soterrada por lendas. A mais recorrente delas o mostra encurralado por cem soldados que atearam fogo à choupana onde ele se refugiara, e depois espalharam as cinzas durante seu trajeto de volta, ao longo das quinze milhas, anunciando aos camponeses a morte do Samurai Sem Sono. Surgiu daí a versão de que essas cinzas são capazes de se recompor, brotando dos rios, da relva, dos bambuzais, um torvelinho de pó de onde surge, como um raio de prata, a lâmina vingadora de injustiças e de traições, a espada mais veloz das Sete Ilhas.