quinta-feira, 4 de abril de 2013

3151) Carnacki (4.4.2013)






Um dos capítulos mais interessantes da literatura fantástica é o ocupado pelos chamados “detetives do sobrenatural”. Estiveram meio que na moda durante o fim do século 19 e começo do 20; depois foram sumindo, se bem que parecem estar voltando, inclusive no cinema. São detetives tipo Sherlock Holmes, mas que, ao invés de investigarem crimes comuns, investigam casas mal-assombradas, fenômenos poltergeist, possessões demoníacas, maldições, etc.  São, de certa forma, os precursores dos conhecidos “Caça Fantasmas”.

O que há de interessante neles é que conjugam um gênero literário extremamente cartesiano e materialista (o romance de mistério detetivesco) com a narrativa sobrenatural. Uma grande parte da literatura detetivesca consiste em crimes espantosos que parecem desafiar as leis da natureza, ou parecem resultados da ação de forças demoníacas, mas logo aparece um detetive (como nos livros de John Dickson Carr ou de Ellery Queen) que no final põe tudo nos eixos e mostra que aquilo não passou de um crime humano, muito bem urdido e muito bem executado.

Li agora The Casebook of Carnacki, the Ghost-Finder, de William H. Hodgson, com as aventuras deste “caçador de fantasmas”, contos publicados na imprensa inglesa entre 1910 e 1912.  Lidos cem anos depois, são contos bem estruturados e bem escritos, que se sustentam admiravelmente, embora sofram com uma estrutura formulaica. (A estrutura de todos os contos é idêntica: Carnacki convida quatro amigos para jantar em sua casa, e após o jantar conta uma aventura em que se meteu; finda a narrativa manda os amigos embora.)

Carnacki recorre a uma intrincada e semi-oculta mitologia de rituais, inscrições, invocações mágicas que o ajudam a lidar com o sobrenatural: “o manuscrito Sigsand”. “o Pentáculo Elétrico”, “o ritual Saaamaaa”, “o encantamento de Raaaee”, etc., sugerindo um panteão obscuro de criaturas e forças astrais. Por outro lado, em suas investigações usa lanternas elétricas, geradores, máquinas fotográficas com flash, gravadores de som. Ou seja, ele conjuga como nenhum outro nesse gênero o lado ocultista e o lado científico. E os casos que desvenda são, em proporção igual, histórias de influências sobrenaturais (Hodgson descreve muitíssimo bem esses confrontos com forças titânicas, malignas, inexplicáveis) e histórias de espertalhões ou gangsters fingindo a presença de fantasmas numa casa para alcançar seus objetivos. Essa constante indecisão, só resolvida no fim, entre a explicação sobrenatural e a explicação realista dá um suspense adicional a esses contos meio esquecidos, que influenciaram uma geração inteira de autores, a começar por H. P. Lovecraft.