domingo, 17 de março de 2013

3136) O medo da noite (17.3.2013)



(by Emma Dima)


Era uma cidade pequena e pacata. Vivia-se ali uma vida sem sobressaltos, mas houve uma época em que pessoas, cada vez mais numerosas, começaram a ser atacadas por surtos de insônia e medo. Deitavam-se à hora habitual mas não conseguiam adormecer. Enquanto maridos ou esposas ressonavam em paz, ao lado, esposas ou maridos retorciam-se sobre o colchão, ora de um lado, ora do outro, fitando as telhas do teto ou os traços à meia-luz da janela fechada, por onde se infiltrava um pouco da luz da rua. O sino próximo batia uma hora. Depois duas. Depois três. A madrugada avançava e as pessoas sofriam, de olhos abertos e com a mente em redemoinho. De nada adiantava a água com açúcar, o chá quente de camomila; de nada adiantava a garrafa de vinho sorvida sem prazer, o meio litro de uísque engolido como quem quer ganhar uma aposta. O sono não vinha.

Vinha a insônia, e com ela o medo da solidão, o medo da noite, o medo inexplicável daquela cidade que durante a noite parecia morta. Médicos ficavam sem ter o que receitar, esgotados todos os recursos de sua farmacopéia artesanal. Mulheres com olheiras despejavam lágrimas; homens embrutecidos pela incapacidade de dormir praguejavam, brigavam no trabalho, perdiam o emprego.

Alguns fizeram uma descoberta. Era melhor fingir que estava tudo normal e, madrugada afora, escancarar as janelas da rua, acender todas as luzes, agir como se fosse a horinha do anoitecer.  Os outros insones viam aquela única casa iluminada e saíam para a rua, levavam para a calçada suas cadeiras, sentavam-se ali e ficavam olhando aquela sala luminosa e colorida onde alguém lia um jornal ou regava flores.

A administração pública resolveu intervir; já eram muitas centenas os insones. E foi modificado o horário de funcionamento de alguns edifícios públicos: a cadeia, o hospital, o manicômio. Logo estes se revelaram ímãs poderosos para atrair o deserdados do sono. Naqueles prédios, sempre havia uma ala funcionando a todo vapor durante a madrugada, com luzes acesas, janelas escancaradas para a platéia de notívagos, por fim apaziguados, sentados no meio-fio, em banquinhos, em cadeiras de plástico de botequim, cadeiras de balanço. Trazidas de casa. Quem passasse na rua veria as pequenas multidões dos perseguidos da noite contemplando as enfermeiras que limpavam um doente, o interrogatório brutal de um ladrão de cavalos, ou as rotinas insensatas dos loucos do hospício, talvez os que aderiram com mais entusiasmo àquela reviravolta no mundo dos relógios; dormiam de dia e passavam a noite representando, conforme lhes dava na telha, a novelazinha de suas vidas para a platéia dos órfãos do sono.