quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

3108) "Cosmópolis" (13.2.2013)





Não li o romance em que se baseou este filme de David Cronenberg. O filme tem tantos diálogos interessantes e frases tipo guilhotina (aquela que faz vapt! – e joga você no espaço) que deu vontade de ler o livro original. Nunca cheguei ao fim dos dois livros de DeLillo que tenho, e o curioso é que o acho um excelente escritor. Talvez seja mesmo, e eu é que sou um leitor relapso. Talvez ele seja um autor para ser lido num ambiente de silêncio e concentração, e não na fila do Banco ou durante uma circular do 184.

Cronenberg é um dos meus diretores preferidos, desde os pesadelos mórbidos do começo da carreira até os seus recentes thrillers, rudes e impiedosos (Marcas da Violência, Senhores do Crime). Cosmópolis me lembrou em certos momentos o Crash – Estranhos Prazeres (1996), baseado em J. G. Ballard, onde ele mostrava um grupo de pessoas com obsessão sexual por automóveis e acidentes. Cosmópolis sugere pelo título uma compressão de espaço: o universo comprimido numa cidade, a cidade comprimida no interior de um carro. Eric Packer (Robert Pattinson) é um bilionário de 28 anos, o que significa dizer que ele só tem uma idéia muito vaga de por quê se tornou bilionário. O hipercapitalismo gera tanta riqueza virtual que ela tem que ir para as mãos de alguém; é como a Mega-Sena. Alguém acaba ganhando. Cada um tem seus truques na arte de fabricar fortunas na especulação financeira; os que ganham não precisam ser os mais inteligentes ou mais capazes. Geralmente são (como Packer) meros manipuladores de pessoas talentosas.

Packer se arrasta por Manhattan numa limusine e vai se encontrando com os coadjuvantes de seu delírio: a esposa, os assessores e conselheiros, os seguranças, o médico... A cidade está um caos, com passeatas, demonstrações, enterros, atentados terroristas. É impressionante a quantidade de pontos em comum entre Cosmópolis e um filme que em princípio não tem nada a ver com ele, Holy Motors de Leos Carax (comentado aqui em 14 de dezembro), onde, igualmente, um cara passa o dia inteiro dentro de uma limusine (desta vez em Paris) relacionando-se com gente estranha. Curiosamente, os dois filmes estrearam no Festival de Cannes de 2012; o de Cronenberg foi concluído antes do início das filmagens do de Carax, e além do mais se baseia num romance bem conhecido. Não deve ser imitação ou influência, talvez seja um sintoma coletivo. Estamos no mundo das limusines, que são um equivalente móvel dos condomínios cobertos por vigilância high-tech. Do “realismo histérico” de Cronenberg ao surrealismo de Carax as limusines parecem estar virando as novas carruagens-abóboras dos contos de fadas urbanos.