terça-feira, 31 de dezembro de 2013

3383) Dois livros de 2013 (31.12.2013)





Um dos melhores lançamentos deste ano (pela Cia. Das Letras) foi Pulphead – o Outro Lado da América de John Jeremiah Sullivan, uma coletânea dos ensaios jornalísticos que fez uma bela dupla com Um Pouco Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo de David Foster Wallace (Cia. Das Letras), também um livro de ensaios intensamente pessoal, sem prejuízo da parte factual e informativa. Mas onde o estilo e a personalidade de Wallace são delirantes, barrocos, de frases caudalosamente intermináveis, Sullivan tem um tom mais reflexivo, contemplativo, uma linguagem mais translúcida, embora capaz de um sarcasmo delicioso e uma notável finura de descrição.

Alguns dos ensaios de Pulphead têm a música popular como ponto de partida: Axl Rose (“O último retorno de Axl Rose”), Michael Jackson (“Michael”), o reggae de Bunny Wailer (“O último Wailer”), músicos obscuros de country e blues (“Bardos desconhecidos”), rock evangélico (“Sobre este rock”). Ele escreve como um fã, mas um fã equilibrado e crítico. Pela primeira vez, aliás, consegui enxergar algo que valesse a pena em Axl Rose, que sempre me pareceu um desorientado. (E é – mas noutro nível.)

Ele aborda também temas científicos que não devem ser fascinantes pra todo mundo, mas são pra mim: Rafinesque, um cientista fora-de-esquadro dos sécs. 18 e 19 (“A carreira de um naturalista excêntrico”), os mistérios dos povos que habitaram os subterrâneos da América antes da colonização (“Cavernas inominadas”), as consequências de um choque elétrico na mente de um rapaz – o irmão de Sullivan, roqueiro eletrocutado por um microfone e que sobreviveu (“Pés na fumaça”), os inexplicáveis surtos de agressividade animal contra os humanos nas últimas décadas (“Violência dos inocentes”).

Há espaço também para interessantes análises do reacionarismo político de certas regiões dos EUA, que ele cobre como se estivesse pisando em terreno minado, e está (“Quero minha América de volta”, “Num abrigo - depois do Katrina)”. A TV norte-americana também não escapa de um relato divertido e devastador feito com olhos pretensamente inocentes: “A casa de Peyton”, “Concentrando-se no que é realmente real”. E há um relato divertido e comovente dos últimos anos de um escritor de 90: “Sr. Lytle: um ensaio”.

Sempre que a ficção começa a desperdiçar seus instrumentos de fazer contato com a realidade, cabe à não-ficção botá-los na roda novamente. Tanto Wallace quanto Sullivan são escritores armados dos pés à cabeça (Wallace foi também romancista de peso). Seus relatos são encharcados de sentimentos pessoais mas eles nunca cedem ao narcisismo blasé tão frequente no jornalismo investigativo.


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