quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

3372) As estátuas de Völn (18.12.2013)




(Jurgen Drescher)

O Viajante que chega à cidade de Völn, num cantão remoto ao leste do Reno e ao norte do Danúbio, vê-se descendo para um vale muito verde e fértil. Uma paisagem tranquilizadora só atenuada pela presença, a noroeste, da escarpada e severa cordilheira de Nusbrau. Chega-se a Völn por uma estrada que vem do oeste, fazendo curvas pelos montes, ou por uma estrada de ferro que corta o vale.

A maior atração de Völn é a sua estatuária, moldada numa argila termo-responsiva abundante no vale, e utilizando técnicas desenvolvidas há mais de quatro séculos. Na Praça Weinburg, por exemplo, vê-se uma estátua em homenagem a Marius de Czege, um trovador local. Ao amanhecer, o poeta está sentado num banquinho, com o alaúde pousado no colo, em atitude meditativa; à medida que o sol se eleva e a aquece, a estátua vai mudando de cor e adquire um movimento quase imperceptível: ergue-se, empunha o instrumento, move os dedos da mãos e move a boca sorrindo, como se cantasse. A queda de temperatura no por-do-sol faz toda esse processo reproduzir-se de trás para diante.

A Ciência explica o fenômeno com uma analogia simples: um invólucro de celofane ou plástico transparente, quando é amassado até uma bola, tende a retornar aos poucos para a forma anterior, como se tivesse memória. Quando a argila dos vales de Völn é moldada, o artesão cria durante o processo de moldagem uma sucessão de temperaturas (com fornos e foles), e quando essa sucessão se reproduz no meio ambiente, ao ar livre, a argila “lembra” a forma associada a cada momento.

Em cada esquina de Völn há uma estátua em câmara lenta saudando os passantes, ou entretida com alguma atividade que só a ela diz respeito. Bonecos de barro enfileirados costumam brincar nos muros e os peitoris. Os restaurantes usam estátuas para receber os recém-chegados; estátuas de mendigos simpáticos recebem doações para o Sindicato dos Escultores. (Diz-se que há estátuas de aves capazes de pequenos voos em “loop”, eternamente indo e voltando.)  Poucas homenageiam figuras históricas: o uso local é criar tipos e atribuir-lhes um conjunto de ações que às vezes só é percebido por inteiro por quem se detém a observá-los durante horas a fio.

Como a cidade oferece poucas opções de trabalho aos jovens, sua população diminui e envelhece na mesma proporção do aumento do turismo. Isto produziu a “lenda urbana” de que todos os habitantes de Völn não passam de estátuas, caminhando lentamente até a padaria ou a farmácia, levando cães idosos e cegos para passear, lendo jornal no banco da praça, ou simplesmente sentando no jardim para se aquecer à luz do sol que mantém viva a substância de que são feitos.


6 comentários:

J. R. Torero disse...

Legal!Queria ter pensado essa.

biu disse...

em algum lugar borges está sorrindo.

Fraga disse...

Clap, clap, clap!

Carmelo Ribeiro disse...

Belo texto.

Kadu Mauad disse...

e eu procurei no google... ok, você ganhou.

Braulio Tavares disse...

Oxente, Kadu... Não se acostumou ainda?! :-)