sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

3362) FC, fantasia e portais (6.12.2013)





Um Portal (“gateway”, em inglês) é uma abertura que liga dois universos diferentes, e visto assim parece uma coisa muito limitada. A questão é que universos são esses, e eles variam muito, se estamos lidando com ficção científica, horror, fantasia heróica, fantasia urbana, realismo mágico, humor absurdista... Alguns críticos dividem em dois grupos as histórias que envolvem portais. O primeiro seriam as fantasias de Portal propriamente dito: em nosso universo, personagens descobrem uma abertura que lhes dá acesso a um universo diferente. O segundo grupo seria feito do que Farah Mendelsohn chama de “fantasia intrusiva”: são as criaturas do outro universo que descobrem um portal para o nosso, e aparecem aqui, com resultados imprevisíveis.

A palavra “gateway” lembra ao leitor de FC a série homônima de romances de Frederik Pohl, em que a humanidade descobre naves à deriva, abandonadas, feitas por uma raça superior à nossa, naves com as quais é possível acessar outras regiões do universo. Outro portal famoso é o que Arthur C. Clarke abre para a passagem do astronauta Bowman em 2001, quando este descobre que o monolito é um aparente objeto mas na verdade é uma abertura no espaço-tempo. Coube a Clifford Simak, em Way Station, O Planeta de Shakespeare e vários outros romances, a idéia de um labirinto de portais cruzando a Galáxia como uma rede de metrôs, com guardiões secretos em cada “estação” ou entroncamento.

Na fantasia, temos desde o guarda-roupa em que os garotos chegam ao mundo de Narnia em O leão, a bruxa e o guarda-roupa de C. S. Lewis até o filme Salada Russa em Paris de Yuri Mamin, em que dois russos descobrem um acesso semelhante ligando São Petersburgo a Paris – neste caso, o portal liga dois “universos” metafóricos, países  socialmente diversos um do outro.  Mais ou menos como no conto de Julio Cortázar “O outro céu”, em que são as galerias dos prédios que permitem ao personagem entrar numa extremidade em Paris e sair na outra em Buenos Aires, ou vice-versa. No filme Orfeu de Jean Cocteau, como na Alice de Carroll, os espelhos são portais para outros mundos.

Um certo esgotamento da fórmula (os exemplos são incontáveis) leva histórias mais recentes a propor idéias mais rebuscadas (e mais divertidas) como a de Quero ser John Malkovich de Spike Jonze, em que um portal conduz do interior de um prédio em Manhattan para o interior da cabeça daquele ator. Na Encyclopedia of Fantasy, John Clute observa que quando uma pessoa encontra um portal ela foi, num certo sentido, encontrada por ele. Os portais são armadilhas (boas, más, indiferentes) esperando alguém que os faça funcionar.


Um comentário:

Fraga disse...

Baita gancho, Braulio. O que me atrai são algumas formas desses portais. O Arthur Clarke reuniu vários na coletânea A Sonda do Tempo. No cinema, a fascinação aumenta: no genial Feitiço do Tempo e Em Algum lugar do Passado é o sono; nos interessantes O Nimitz Volta ao Inferno, Projeto Filadelfia e em Alta Frequência, são fontes de energia; na pérola de Allen, Meia-Noite em Paris, são veículos de transporte; no ótimo Navigator, uma Odisséia no Tempo, é uma caverna. Etc. Abração.