sábado, 31 de agosto de 2013

3279) Seu Deca (31.8.2013)






Ontem estive me lembrando de Dona Zefinha de Seu Deca. Isso foi num desses lugares pras bandas de Tabira ou de Água Branca. Seu Deca vivia duma aposentadoria, de um gadozinho guardado nas terras dum genro, e de farra. Todo dia vinha almoçar em casa e depois ia freqüentar a rapariga, Fátima, uma moça que tinha uma perna maior do que a outra. Levantava da cama às 4 da tarde, hora do carteado na pracinha, onde se reunia com os amigos para deliberar onde iriam beber naquela noite. Dona Zefinha lavava os pratos e chorava, amaldiçoando Seu Deca e todos os homens do mundo, mas morria de medo dele, e com razão, porque Seu Deca apesar de generoso com o próprio dinheiro e escrupulosamente correto em todo procedimento, como ele mesmo dizia, era um sujeito com sangue no olho e de instinto ruim.

Todo dia era essa a história, o almoço de Dona Zefinha, a sesta com Fátima, e Dona Zefinha carregando essa cruz à vista da rua inteira. Ela confidenciou a Ceiça de Antão Procópio que ainda era nova (estava longe dos quarenta) e que o marido era um homem bom, mas que por ser muito bom tinha se deixado enfeitiçar por quem não prestava. Ela guardava umas economias e comprou roupas novas. Passou a fazer ela mesma o almoço. (Que até então eram obra de Tonela, a mucama que trabalhava com eles desde que era uma adolescente.)

Talvez nunca se saiba o que Seu Deca notou primeiro, se era a mulher que estava mais bonita ou a comida que estava mais farta. Mesmo no entra e sai da sala para a cozinha Dona Zefinha estava sempre com um vestidinho caprichado. E cada dia espalhava sobre a mesa a bandeja farta com dobradinha, mão-de-vaca, tripa torrada, galinha de capoeira, costela, chambaril, pirão. Era ele comendo e ela atochando comida no prato dele. Ela comia limpando a barba, arrotando, controlando o relógio.

Um dia, por fim, Dona Zefinha estava lavando os pratos quando ouviu um alarido na frente de casa, eram uns meninos à janela da sala, falando todos ao mesmo tempo, um deles dizendo “Seu Deca morreu!”, e outro corrigindo, “Morreu, não, está morrendo!” Daí a pouco o trouxeram, duro, morto, desengonçado. Ela cuidou de tudo, participou do enterro, recebeu calada o que os enteados lhe deram na partilha e foi embora para a casa de uma prima que tinha no Cariri. Chorou com sinceridade, porque nos últimos tempos voltara a gostar dele. Mas também foi a última vez na vida em que ela chorou.

Quanto a Fátima, ficou muito tempo impressionada com essa história de um homem ter morrido dentro dela. Mudou-se para Sergipe depois de alguns meses e nunca mais ninguém ali se lembrou dela, mas mora hoje em São Cristóvão, onde tem o apelido de Meio Fio.


3 comentários:

Rennatto Ribeiro disse...

Meio fio é otimoooo! mto bom. por isso sou fã desse caba da peste! kkkk

Flávio disse...

a gente precisa de mais histórias dessas,no cinema e na televisão.

Anônimo disse...

Uma bela história,vinda de uma cultura linda e peculiar,infelizmente ignorada por muitos de nós mesmos paraibanos-nordestinos.
Nordeste é um mundo de coisas boas.