quinta-feira, 15 de agosto de 2013

3265) Os ensaios de Wallace (15.8.2013)





Este volume de ensaios de David Foster Wallace (Cia. Das Letras, 2012) tem um título que parece uma correntinha de clips: Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo (tradução satisfatória para o original: “Getting Away from Already Pretty Much Being Away From It All”). A tradução é de Daniel Galera e Daniel Pelizzari, que cortam um dobrado, com competência, para traduzir a prosa errática, precisa, absurdista de Wallace. O livro tem ensaios variados: um texto curto e perceptivo sobre o humor na obra de Kafka; uma análise em câmera lenta e stop motion dos prodígios que Roger Federer realiza numa quadra de tênis; uma aula magna em que ele diz aos estudantes, basicamente, que a vida é chata, e que cabe a nós torná-la excitante e maravilhosa através do esforço conjunto da imaginação e da vontade; uma reportagem gastronômica que desanda num questionamento do nosso direito de matar lagostas em água fervente.

Wallace é uma mistura de satírico feroz e humanista compassivo, tão frequente na literatura dos EUA. Ele consegue, num mesmo parágrafo, mostrar todo o ridículo do comportamento de um grupo de pessoas e ao mesmo tempo nos despertar uma certa simpatia por elas. Isto é mais visível nos dois primeiros (e mais longos) ensaios do livro. O primeiro, que lhe dá o título, é sua cobertura da Feira Estadual de Illinois, uma dessas feiras agro-industriais-precuárias que misturam comércio e lazer. Eu gostaria de ver o choque cultural que esse texto produziria num habitante de um grotão qualquer, alguém que não vê TV e tem apenas uma vaga idéia do que sejam os EUA. O próprio Wallace, que passou a infância e a adolescência em Illinois, quase se apavora diante daquele evento de desbragado consumismo, mau gosto, glutoneria, tacanhice, ostentação kitsch e ingenuidade caipira. E ao mesmo tempo ele parece estar pondo o braço sobre os ombros do leitor e dizendo: “Pssst... nós também somos assim”.

O outro ensaio é “Uma Coisa Supostamente Divertida que Eu Nunca Mais Vou Fazer”. Outra reportagem encomendada, desta vez sobre um cruzeiro num navio de luxo pelo Mar do Caribe, em “uma entre as mais de vinte linhas de cruzeiro que operam atualmente a partir do sul da Flórida” (o ano era 1995, mas ouvi relatos recentes de uma viagem assim; não mudou muita coisa). Comentarei em detalhe esse texto numa próxima coluna, mas basta lembrar que Wallace, até por não ser um jornalista, e sim um escritor, mergulha nessas empreitadas de corpo inteiro e alma aberta, e equilibra de maneira prodigiosa o olho atento, o espírito incrédulo, o humor ferino e uma prosa permanentemente criativa sem traços de beletrismo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que pena que o cara se matou. Esse faz falta.