quarta-feira, 3 de julho de 2013

3228) Ariano e Tolkien (3.7.2013)






A obra de Ariano Suassuna passa por muitos territórios, que vão da música ao teatro, mas os que me interessam mais são o romance, a poesia e a ilustração gráfica. (Sem diminuir, claro, a importância dos demais.) 

Nesses três campos ele desenvolveu a vertente fantástica de sua criação: a articulação de um universo emblemático, simbolista, repleto de ressonâncias cósmicas, profundamente impregnado de um passado simultaneamente histórico e mitológico, carregado de implicações éticas e morais.

Como escritor, Ariano pertence a uma linhagem que também inclui J. R. R. Tolkien (de O Senhor dos Anéis), e há mais semelhanças entre eles do que parece à primeira vista. 

Há paralelos na vida pessoal: a perda precoce do pai e a importância da figura materna, e o fato de que ambos se dedicaram desde cedo à carreira de professor universitário, praticando a literatura nas horas vagas, por assim dizer.

A semelhança, no entanto, é mais literária do que biográfica. São escritores que têm uma profunda identificação com a tradição e o passado, e uma certa aversão a modismos e modernismos de superfície. 

Ambos católicos, criaram ciclos romanescos onde o Catolicismo está ausente como fato e presente como espírito, através de temas de pecado e redenção, e da luta do Bem contra o Mal. 

Ambos recorrem a fontes lendárias de um passado remoto – escandinavo no caso de Tolkien, ibérico no de Ariano. Ambos têm uma identificação instintiva com a simbologia da realeza e das ordens cavalarianas, com os emblemas e brasões, com a genealogia das famílias nobres, com a heráldica. 

E em ambos esse painel de heróis tem sua grandiosidade e nobreza contrastadas à presença de protagonistas humanos, frágeis, mas igualmente notáveis: os pequenos hobbits de Tolkien, e, em Ariano, a figura picaresca, plebéia e moralmente escorregadia de Quaderna.

Do ponto de vista técnico, ambos produziram trilogias épicas (a de Ariano ainda em progresso) recheadas de poemas bem integrados à trama. Ambos revelam um fascínio pelo grafismo, e produziram numerosas ilustrações para os próprios textos. 

Tolkien, filólogo, criou um idioma élfico com alfabeto próprio. Ariano produziu também um alfabeto armorial, inspirado nos desenhos dos ferros de marcar gado. Seus admiradores recorrem constantemente a esses alfabetos nas obras relativas ao universo de cada um.

O mundo de Tolkien é totalmente fictício; o de Ariano, em comparação, é de um realismo histórico-geográfico quase excessivo. 

O que aproxima os dois é o avistamento de um Passado grandioso, semi-histórico, semi-lendário, que se superpõe ao Real na obra de Tolkien, e na obra de Ariano é um pólo energizador do Presente.






6 comentários:

Raimunda disse...

Show de artigo Bráulio, concordo em tudo, sobretudo do que disse de Ariano. Preciso ler Tolkien urgentemente. Grande abraço.

Carmelo Ribeiro disse...

Quando será que Ariano Suassuna irá completar a história da "Pedra do Reino"? Este é um dos segredos mais bem guardados do Nordeste, ou você tem alguma pista? Tenho um amigo que jura que ele já acabou a história desde os anos 80, mas não para de revisar.

Daniel disse...

Excelente artigo Braulio! Sempre me esqueço do Ariano, um dos nossos grandes autores com certeza.

Dani Libanio disse...

Bráulio, mais uma vez vc brilhou!!

Duilio Pereira disse...

Cara, acabei de ler este artigo escutando Peaches En Regalia do Zappa. Que sensação louca. Me senti como uma personagem de algum conto do Borges. Ótimo texto Bráulio.

DScofano disse...

Que ótimo artigo, Bráuli; vou buscar algo de Tolkien para ler. Sou apaixonada por Ariano Suassuna e o universo armorial. Minha monografia de graduação em Letras foi focada no Movimento Armorial.