domingo, 23 de junho de 2013

3220) Não faça esforço (23.6.2013)




Às vezes, digo isto só para ver a reação das outras pessoas. Estamos num segundo ou terceiro andar, e na hora de ir embora pergunto: “Por que a gente não desce pela escada?”  Olhares de incompreensão. A reação é sempre tipo: “Mas por que descer pela escada, se temos o elevador?”.  Saímos de um boteco, no início da noite, rua cheia de gente, e eu digo: “Vamos em tal lugar”. Fica a cinco quarteirões. As pessoas dizem: “Vamos pegar um táxi”. Eu digo: “Não, vamos andando.” Elas: “Por que andando, se podemos pegar um táxi?”.

As pessoas que se recusam a subir e descer escadas de prédio (escadas claras, espaçosas, seguras, em 99% dos casos) e a andar meia dúzia de quarteirões são as mesmas pessoas que se preocupam com o colesterol ou o pulmão, ou que se queixam de que estão dez quilos acima do último ultimato que deram a si mesmas. Essas pessoas, claro, são as mesmas que acabam gastando uma bela grana para ir (de carro) a uma academia e passar a tarde andando numa esteira que não vai para lugar nenhum.

Essa psicose de evitar pequenos esforços físicos é um dos exemplos (que não me ouçam os psicanalistas!) do espírito de autodestruição do ser humano.  O impulso de Tânatos, o impulso da morte. Temos com a morte uma relação meio impudente e imprudente. Como sabemos que é inevitável, não ficamos à espera: metemos os pés e vamos ao encontro dela, dizendo: “E aí, vai encarar”?  É a única explicação possível para essa insidiosa autodestruição.

O sujeito que inventou o controle remoto de TV provavelmente causou a morte de uns 150 milhões de pessoas devido a doenças cardiovasculares. Aquele exerciciozinho de levantar do sofá e ir girar botões na TV vinha até então prolongando a vida útil de muitas artérias. Dizem os humoristas (com razão) que a mola propulsora da ciência e da tecnologia é a preguiça humana, a intuição de que deve haver uma maneira mais fácil de fazer qualquer coisa. Mais fácil significa geralmente uma maneira que nos poupe de fazer esforço físico. Não canso de ficar perplexo diante das idiotices que são inventadas em nome disso. Escova-de-dentes elétrica (para poupar o movimento do braço)... Lâmpada do teto com controle remoto...

Parece que existe todo um setor da engenharia destinado a estudar nosso cotidiano e descobrir quais os movimentos físicos que podem ser substituídos por uma maquinazinha que produza o mesmo efeito e possa ser comprada em doze vezes no cartão. As pessoas preferem as escadas rolantes às escadas de verdade, queixam-se o tempo todo de que precisam fazer atividade física, mas nunca têm tempo e ainda não acharam a marca de tênis mais adequada.







Um comentário:

Giovana disse...

Concordo. Mas aquela maquinazinha parafusadeira é simplesmente sensacional.