quarta-feira, 19 de junho de 2013

3216) O Inominável (19.6.2013)





Dá pra pensar em dois escritores mais diferentes do que H. P. Lovecraft e Samuel Beckett? Eu diria até que a zona de intersecção entre o universo de leitores de um e de outro é bastante estreita. 

Pode até haver gente que tenha lido alguma coisa de um e alguma coisa do outro, mas gente que conheça bem (e admire) a obra de um e de outro é uma arquibancada meio vazia.


“Estávamos sentados sobre um arruinado túmulo do século 17, ao fim da tarde de um dia de outono no velho cemitério da cidade de Arkham, e estávamos especulando sobre o Inominável”. 

Assim começa um conto de Lovecraft, “The Unnamable” (1939). Expressões como inominável, indizível, sem fala, etc são frequentes no terror lovecraftiano, que despeja sua descarga numa medula pré-verbal que todos nós temos e que não é comandada pela linguagem, pelo menos a linguagem com que nos defendemos da realidade durante o dia a dia.  

Anne Sexton, numa carta de 1963, dizia: 

“As palavras me incomodam. Acho que é por isso que sou poeta. Eu fico me forçando a falar das coisas que permanecem mudas dentro da gente. Meus poemas só chegam quando eu já quase perdi a capacidade de articular uma palavra. De falar, de certo modo, do infalável. Produzir um objeto a partir do caos... Para dizer o que? Um último grito no vazio”.

Ninguém celebrou o Inominável tão bem quanto Samuel Beckett, cuja obra parece uma tentativa de recobrir com linguagem incompreensível a falta de sentido da existência humana. 

L’Innomable é um romance de 1953, que de romance só tem mesmo a designação, porque os críticos se divertem sugerindo novos nomes de gêneros literários para incluir obras assim, monólogos aparentemente desconexos em que a mente do narrador dá voltas e mais voltas sobre si mesma, narrando ações que talvez sejam imaginárias ou descrevendo ambientes que talvez não existam. Personagens sem nome, ou que mudam de nome no meio da história, ou que afirmam ser falso seu nome.

O inominável de Lovecraft é o horror monstruoso. Em certo momento percebemos que o mundo hospeda criaturas poderosas e malignas que se divertem destruindo seres humanos fisicamente, ou levando-os à loucura. 

O inominável de Beckett é o horror existencial. Em certo momento percebemos que o mundo não hospeda nada além da cortina de aparências materiais de que é feito. A relação entre as coisas e a linguagem é uma mera convenção, porque todas as coisas, em sua essência, são inomináveis, são uma existência pura, selvagem, monstruosa. 

Guimarães Rosa registra, entre os muitos nomes do Diabo, o Não-Sei-Que-Diga. É algo forte demais, pesado demais, capaz de rasgar qualquer invólucro verbal com que se procure contê-lo.








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