sábado, 11 de maio de 2013

3183) "Iniciação amorosa" (11.5.2013)






(Drummond, menino)

A poesia erótica de Carlos Drummond está reunida e concentrada no livro O amor natural (1992) onde se exprime de maneira intensa, contida, e ao mesmo tempo livre, espontânea e alegre. Do jeito do poeta, que tinha seu lado filósofo e seu lado moleque. Mas já em Alguma Poesia (1930), seu primeiro livro, o poeta infiltrava memórias iniciais do fenômeno sexual, visto através daqueles olhos de criança antiga, que muitos anos depois nos deram Boitempo. É o caso de “Iniciação sexual”, onde o menino conta: “A rede entre duas mangueiras / balançava no mundo profundo. / O dia era quente, sem vento. / O sol lá em cima, / as folhas no meio, / o dia era quente. / E como eu não tinha o que fazer ficava namorando as pernas morenas da lavadeira”.

 É o velho erotismo entre patrões e escravos, aquela promiscuidade tropical e cúmplice que misturava negros e brancos, sinhozinhos e mucamas. A extinção da escravatura não mudou quase nada na relação posterior entre patrõezinhos e empregadas, numa sedução recíproca em que as vantagens de raça, gênero e poder, de um lado, eram contrabalançadas pela idade e vivência do outro. Na memória (ou fantasia) do poeta, nasce do menino o interesse, mas vem da mulher adulta a iniciativa: “Um dia ela veio para a rede, / se enroscou nos meus braços, / me deu um abraço / me deu as maminhas / que eram só minhas. / A rede virou, / o mundo afundou.”

 Interessante como nestes dois últimos versos, comparados aos dois versos iniciais do poema, é de fato como se o mundo fosse “telescopado” para dentro de si mesmo, como se tudo deixasse de existir. E o poema termina: “Depois fui para a cama / febre 40 graus febre. / Uma lavadeira imensa, com duas tetas imensas, girava no espaço verde”. É a coexistência entre o impulso sexual juvenil e a languidez dos meninos brancos, como lembra o Padre Gama, citado em Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre, os meninos “tratados com tantas cautelas de sol, de chuva, de sereno, e de tudo, que os pobres adquirem uma constituição débil, e tão impressionável que qualquer ar os constipa, qualquer solzinho lhes causa febre, qualquer comida lhes produz indigestão, qualquer passeio os fadiga, e molesta”.

 Este poema se conecta com “Infância”, onde já estão as mangueiras e a preta. Mas aqui existe o desejo, existe o enxerimento, existem os olhos compridos que o menino bota para as pernas da mulher negra. A ideologia politicamente correta de hoje se dividiria entre denunciar o assédio sexual machista, por parte dele, ou a sedução pedófila, por parte dela. O poeta-menino fica apenas com a lembrança febril do sexo que se mistura ao aleitamento materno.


2 comentários:

Anônimo disse...

Muito obrigada pelas suas análises! Eu normalmente odeio os livros da escola, mas com as suas análises estou gostando de Alguma Poesia!

Braulio Tavares disse...

Eu que agradeço! Clique no nome "Carlos Drummond", logo aí acima, tem análises de muitos poemas. Fico feliz em saber que são úteis!